Título: Evangélicos criam igrejas sob medida
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Vida&, p. A24

A segmentação dos fiéis inclui grupos de ricos, surfistas, gays e até pessoas que querem aprender a falar com Deus em inglês

O grupo de estudantes vai à igreja para aprender a falar com Deus em inglês. Num templo decorado com a bandeira do arco-íris, gays ouvem do pastor que ser homossexual não é pecado. Em outro culto, jovens cantam hinos religiosos em ritmo de reggae. Ricos se reúnem em igrejas localizadas nos bairros mais nobres do País. Enquanto mantêm o fôlego e continuam em crescimento, as igrejas evangélicas mostram o que parece ser mais uma tendência: a segmentação do rebanho. Elas identificam determinados grupos e procuram adaptar suas pregações e seus ritos para atendê-los.

Para o sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil (Ed. Loyola), é a lógica mundana capitalista sendo aplicada à espiritualidade da religião. "A segmentação faz muito sentido na situação atual do País, de grande concorrência entre os grupos religiosos. É uma questão de sobrevivência no mercado."

O templo que vira sala de aula de inglês fica no Núcleo Bandeirante (DF). É a Igreja Cristã Evangélica do Brasil, cujos cultos são conduzidos pelo pastor Robson Pereira, um ex-professor de inglês. No primeiro sábado de cada mês, ele retoma suas velhas lições e usa um retroprojetor para ensinar gramática, vocabulário, pronúncia e, naturalmente, a palavra de Deus.

Muitas pessoas acompanham o culto sem pretensões espirituais, com o objetivo único de simplesmente treinar o inglês. "É surpreendente como o movimento tem aumentado a cada mês", diz o pastor. "Mesmo que alguns venham só pelo inglês, eles de alguma forma acabam levando os ensinamentos da Bíblia para casa."

Em São Paulo, os gays encontram lugar para louvar a Deus sem preconceito em pelo menos duas igrejas. A Acalando pretende realizar uma cerimônia coletiva de união gay daqui a dois sábados, com "assinatura em livro de relacionamentos estáveis homossexuais, devidamente registrada em cartório". Na Igreja Para Todos, cuja marca é a Bíblia com um arco-íris, os cultos ocorrem aos domingos no Largo do Arouche, um reduto gay de São Paulo.

"A religião antes era muito autoritária. Na Idade Média, por exemplo, o fiel não tinha alternativa senão adaptar-se à religião. A autoridade do papa continua absoluta para os católicos", compara Ivone Lima Ferreira Botelho, diretora acadêmica do seminário evangélico Faculdade Latino-Americana de Teologia Integral. Para ela, a especialização das igrejas é reflexo da "pós-modernidade". "Hoje o que vale é a flexibilidade, tudo é relativo. Você escolhe a igreja que quiser."

Nas noites de quinta-feira, em São Paulo, centenas de jovens - muitos de chinelo, gel no cabelo e tatuagens à mostra - vão ao templo Bola de Neve ouvir a pregação do pastor, que usa jeans e tênis. Diante do púlpito em forma de prancha de surfe, ele mistura piadas e palavras de louvor. Numa pregação recente, ele comemorava a expansão da igreja, com a abertura de templos no litoral da Bahia. "Gosto da forma como ele passa as mensagens. É mais clara, direta, fácil de entender", diz Rodrigo Torres, de 23 anos.

Por causa do nível social dos fiéis, a igreja neopentecostal Sara Nossa Terra ganhou o apelido de "igreja dos ricos". Seus principais templos ficam em bairros que estão entre os mais caros de São Paulo (Jardins), do Rio (Barra da Tijuca) e de Brasília (Setor Sudoeste). "É mais fácil transmitir a mensagem de Deus quando os fiéis são homogêneos", explica o fundador da igreja, bispo Rodovalho.

A segmentação inclui executivos e esportistas, que têm seus grupos "interdenominacionais" (com membros de diferentes igrejas evangélicas), o Comitê Cristão de Homens de Negócios e o Atletas de Cristo.

Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Antônio Flávio Pierucci, especialista em Sociologia da Religião, "não há a possibilidade sociológica de um grupo se manter especializado por muito tempo". Essa seria apenas uma estratégia para se viabilizar e depois conquistar novos fiéis. "Ninguém quer ser minoria para sempre."