Título: Partidários de Aristide despertam
Autor: Adrien Jaulmes
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Internacional, p. A23

A ineficiência da missão da ONU liderada pelo Brasil no Haiti alimenta a retórica dos seguidores do ex-presidente

PORTO PRÍNCIPE - O padre Jean-Juste estende os braços virando-se para os fiéis. "As grandes nações nos esmagam. Senhor, protegei nosso pequeno país! Protegei o Haiti! Salvai-nos, Jesus", diz ele. Nas arcadas da Eglis Sent Klé (Igreja de Santa Clara em creole), no bairro popular de Delmas, em Porto Príncipe, os fiéis na missa dominical recomeçam em coro a oração. As mulheres de tailleur, os homens de camisas de domingo e cordões com nós nos cabelos repetem estendendo os braços e balançando o corpo: "Salvai-nos, Jesus!" Sob as imagens ingênuas dos apóstolos, o padre Gérard Jean-Juste termina a missa com uma oração especial: "Oremos pelo restabelecimento da ordem constitucional! Oremos pela volta do presidente (Jean-Bertrand) Aristide!" Mais de um ano depois de sua confusa partida, o ex-presidente haitiano - que oficialmente renunciou em 29 de fevereiro de 2004 e viajou para a República Centro-Africana, depois para a África do Sul - ainda tem muitos partidários no Haiti. O padre Jean-Juste é um dos mais fervorosos. Ele contesta duramente a ação da comunidade internacional, que empurrou para fora um presidente desmoralizado, cujo regime estava a ponto de desmoronar ante uma rebelião. Para Jean-Juste, "o presidente Aristide foi seqüestrado e a ordem constitucional, apunhalada". "Hoje, as potências estrangeiras e os assaltantes fazem de tudo para impedir sua volta", vocifera.

Careca, de barba grisalha, ele é um dos líderes do partido do ex-presidente, a Família Lavalas. O partido de Aristide ganhou esse nome em referência à avalanche política (lavalas é avalanche em creole) provocada por ele no início dos anos 90.

Em contato permanente com Aristide, que encontrou em várias ocasiões na África do Sul, o padre Jean-Juste faz seus sermões inflamados em sua igreja no bairro de Delmas, mas também pelas ondas das rádios populares de Porto Príncipe. "Ele é como Aristide. O homem dos pequenos como nós. As pessoas das quais ninguém se ocupa", explicam fiéis da paróquia de Santa Clara. "Como Aristide, ele alimenta as crianças das ruas."

Mas os adversários de Jean-Juste o acusam de atividades que extrapolam sua missão religiosa. "Temos muitas razões para pensar que o padre Jean-Juste não cumpre apenas um papel religioso, mas também político", dizem os responsáveis da Minustah pela segurança. Minustah é a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti. "Ele seguramente está em contato com grupos armados e ex-quimeras (milícias armadas pró-Aristide)."

Preso em outubro de 2004 por ordem do homem forte do governo interino haitiano, o ministro da Justiça, Bernard Gousse, por perturbação da ordem pública e incitação à violência, Jean-Juste ficou um mês e meio na prisão. Foi libertado por falta de provas, mas também pela mobilização de lobbies negros americanos que freqüenta assiduamente na Flórida e continuam adeptos dos discursos terceiro-mundistas e afro-centristas de Aristide.

"Os próximos meses vão ser caóticos", prevê o padre, que hoje diz temer pela vida. "As Nações Unidas e as grandes potências como EUA e França vão nos impor eleições, vão escolher nossos governantes. Se quisessem realmente a paz, todo mundo poderia participar das eleições! Mas eles querem sobretudo punir o Haiti", denuncia.

Na mais antiga república negra independente, povoada pelos descendentes de escravos rebeldes - que continua se considerando uma vítima perpétua das grandes potências "brancas" -, esses discursos nacionalistas têm um impacto considerável. Sobretudo depois que as esperanças suscitadas pela intervenção das Nações Unidas se dissiparam em menos de um ano sob o efeito da insegurança e da miséria endêmica que mina todos os esforços empreendidos no Haiti há décadas.

"Um ano atrás, Aristide era um personagem desacreditado", analisa um diplomata ocidental em Porto Príncipe. "Hoje, mesmo a distância, ele é um ator que deve ser levado em conta. A incapacidade da Minustah de restabelecer a segurança ameaça esvaziar o sentido do processo eleitoral. Os partidários de Aristide jogam a cartada do quanto pior, melhor. Eles esperam tirar um benefício político disso."

A alguns meses das eleições legislativas e presidenciais, previstas para 16 de novembro e 13 de dezembro, o futuro do Haiti continua incerto. "O calendário sofreu um enorme atraso. Uma consulta desse gênero num país quase desprovido de estradas, onde mais da metade da população não tem documentos, é uma operação difícil. A insegurança que se desenvolve neste momento ameaça o próprio processo", prosseguiu o diplomata.

Criada no ano passado com a tripla missão de estabilização das instituições representadas pelo governo interino de Gérard Latortue, preparação das eleições e restabelecimento da atividade econômica por meio de uma injeção maciça de capitais internacionais, a Minustah decepcionou muita gente e, com isso, devolveu vigor aos partidários de Aristide. Ela é criticada sobretudo por ter sido incapaz de enfrentar a violência.

"Os contingentes brasileiros não estão à altura do desafio", diz um empresário ocidental instalado no país. "Eles só foram deslocados para apoiar as pretensões do Brasil de obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O objetivo da missão pouco lhes importa." Uma onda de sublevações e assassinatos mergulhou Porto Príncipe na angústia nas últimas semanas: "É uma verdadeira psicose. Os haitianos mais ricos mandam suas famílias para a Flórida, mas os mais pobres sofrem", disse o empresário, antes de acrescentar: "Nunca conheci uma situação tão crítica em 20 anos. Mas o pior seria se isso resultasse no retorno do Lavalas."