Título: Elas querem ter uma vida de monja
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/07/2005, Vida&, p. A22

"As senhoras já ouviram falar do Marcos Valério?" Não. "Qual foi a última vez que ligaram a televisão?" Em março. "O que fizeram ontem, às 4h45?" Rezamos. E às 15?" Rezamos também. As respostas vieram de quatro mulheres adultas que moram na zona norte de São Paulo. Uma pista: a mais recente cena vista na TV por elas foi a eleição do papa Bento XVI. São monjas beneditinas contemplativas que vivem enclausuradas no Mosteiro de Santa Maria, lugar que tem despertado o interesse de um número cada vez maior de mulheres nos últimos anos.

O Brasil tem hoje 17 mosteiros beneditinos contemplativos, com 304 monjas no total. Na década de 40, havia apenas um. O Santa Maria, o mais antigo da ordem beneditina da América Latina, conta com 26 monjas. Em 1989, eram 20. "Ficávamos dois anos sem ter nenhuma noviça", lembra a irmã Lidia Tavares, de 73 anos, quase 50 de reclusão. Só neste ano, o Santa Maria ganhou três noviças.

O Mosteiro da Luz, da ordem das concepcionistas, também em São Paulo, vive realidade parecida. "Há 15 anos, quando entrei, eram no máximo duas mulheres batendo em nossa porta a cada ano. Em 2005 estamos com sete interessadas", conta irmã Claudia Hodecker.

Ou seja, há um número cada vez maior de mulheres que não só abrem mão da vida leiga, mas escolhem viver para o resto da vida em silêncio, louvando Deus com orações. E praticamente sem pôr os pés para fora de casa.

Especialistas afirmam que o fenômeno é uma mistura de inquietação pessoal com mudanças sociais. "Não se entra mais para a Igreja pelo desejo de transformar o sistema socioeconômico. A vocação religiosa vem perdendo seu ideal de transformação das estruturas sociais", explica a socióloga Sílvia Fernandes, coordenadora de pesquisas no Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris). "Hoje se cultiva uma espiritualidade centrada na divindade, na intensificação da relação 'eu e Deus'. E o olhar, nesse caso, sobre a sociedade é diferente: é por meio da dedicação ao serviço sagrado e ao intimismo religioso."

O colega de profissão de Sílvia, Antônio Braga, do Programa de Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, complementa: "Na década de 70, as discussões sociais na Igreja eram muito mais fortes. Basta pensar na Teologia da Libertação, nas comunidades eclesiais de base. Hoje as questões estão voltadas para a satisfação pessoal."

LOUVOR A DEUS

Não seria justo usar o isolamento físico e intelectual como única referência para identificar as freiras enclausuradas. Elas têm uma função na Igreja com um profundo significado, que é rezar em louvor a Deus. "A Igreja precisa de dois pulmões para sobreviver. Um é a ação, a prática. Outro, o transcendental, o conhecimento que ultrapassa os limites da experiência", diz Fernando Altemeyer, teólogo da PUC de São Paulo. "Ela consegue viver com um só. Mas fica fragilizada."

No documento do Vaticano Verbi Sponsa, Introdução sobre a Vida Contemplativa e a Clausura das Monjas, de 1999, a conclusão é de que "a Igreja tem grande apreço pela vida integralmente contemplativa da monjas de clausura e a sua solicitude em salvaguardar a sua autenticidade para não deixar faltar a este mundo um raio de beleza divina que ilumine o caminho da existência humana".

As monjas enclausuradas rezam o dia inteiro, sem exageros. A primeira oração do dia das beneditinas é às 4h30, quando acordam. Às 5h30, hora do café da manhã. Das 6h30 às 9h30, orações. Até as 10h30, trabalhos internos, que podem ser de tarefas ligadas à rotina do mosteiro à produção de peças artesanais - as beneditinas mantêm uma loja na entrada do mosteiro com objetos, comidinhas e licores feitos por elas.

Às 11h30, a volta para as orações. Meio-dia, almoço. E, depois, descanso até as 14. Até as 15, hora de estudar. As irmãs fazem cursos de artesanato e idiomas (para facilitar a compreensão e a pronúncia das orações). Podem ir ao médico (mas recebem a visita domiciliar semanal de um médico). Podem visitar pais e irmãos (só em casos de doenças graves e cirurgias delicadas e com expressa autorização).

Depois do Concílio Vaticano II, de 1965, as regras de uma maneira geral da Igreja ficaram um pouco mais frouxas. No caso delas, não era possível ir ao médico fora de casa. "Sou do tempo em que se fazia cirurgias dentro do mosteiro", conta irmã Lídia. As freiras agora podem ter a permissão da abadessa (monja superiora) para deixar a casa apenas quando a saída é em benefício do convento.

OBEDIÊNCIA

Na prática, nem sempre funciona assim. A responsável pela administração financeira do mosteiro, irmã Escolástica Otoni de Matos, 38 anos de idade e 20 de clausura, pediu há algumas semanas permissão para fazer um curso de cinco dias de administração de empresas. A solicitação foi negada pela abadessa Maria Tereza de Amoroso Lima, de 76 anos, filha do intelectual católico Alceu de Amoroso Lima (morto em 1983), há 57 anos reclusa.

"Foi uma pena", conta Escolástica. E só. Ela nem perguntou o motivo. "Na obediência você encontra Deus", diz. "O silêncio ajuda a compreender o incompreensível." Curiosamente, aquilo de que Escolástica mais sente falta dos tempos em que era leiga é de gargalhar.

A abadessa Maria Tereza está longe de ser uma figura austera. Entusiasmada, não pára de falar quando se lembra do pai. Durante 30 anos, recebeu uma carta por dia de Amoroso Lima. No total, são 11 mil escritas à mão. Uma pequena parte (as escritas entre 1958 a 1968) se transformou no livro Cartas do Pai - De Alceu Amoroso Lima para Sua Filha Madre Maria Teresa (IMS, 655 págs.), publicado em 2003. As cartas são um valioso documento, com o retrato da história do País e do mundo. "Papai misturava notícias da cozinha de casa com política."

As cartas foram uma exceção no mosteiro, já que notícias da vida anterior ao claustro não são bem-vindas com tantos detalhes. Além disso, nos últimos dois anos de vida de Alceu, ele a visitava três vezes por semana. E, nos últimos três meses de vida, o escritor teve a companhia da filha em casa. O aval foi dado por d. Paulo Evaristo Arns.

POUCA CONVERSA

O mosteiro é delimitado por barreiras que só podem ser ultrapassadas com a permissão da própria abadessa. Algumas sutis, outras nem tanto. As portas de madeira de 2,5 metros de altura do lugar só podem ser fechadas à chave do lado de dentro. O simbolismo não deixa de ser poético. "Ninguém nos prende aqui. Nós é que nos prendemos", explica irmã Lídia.

No mosteiro, o jantar é às 18 em ponto. Das 19 às 20, última atividade diária: recreio. "É quando lemos ou conversamos sobre os mais variados assuntos", conta a abadessa. "Os únicos assuntos proibidos são política, esporte e religião", brinca.

Uma das últimas discussões foram acaloradas com uma dúvida: Maria Madalena foi ou não prostituta? "Quem defendia a tese de que não era não ganhava chocolate", brinca mais uma vez a abadessa. Mas bate-papos são raríssimos. Para as monjas contemplativas, o silêncio tem enorme importância. "Ele nos ajuda a viver integralmente cada momento", explica Escolástica. E ele ganha mais força ainda no mosteiro Santa Maria, feito de cimento aparente, com cômodos espaçosos e pé-direito alto.

O silêncio é prontamente quebrado por todas quando o assunto é fé. A transformação que se vê nos olhos dessas monjas quando falam de Deus é capaz de impressionar ao mais cético dos homens. "Essas mulheres têm um equilíbrio interior incalculável", analisa o teólogo Altemeyer. "Não existe meia escolha para estar lá. A opção de vida é muito radical. Ou se tem vocação ou não tem."