Título: O realismo do CMN
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Notas & Informações, p. A3

O governo foi realista ao fixar em 4,5% a meta de inflação dos próximos dois anos. A decisão seria correta mesmo que o País vivesse uma fase de calmaria política. Tornou-se especialmente oportuna diante da crise desencadeada com as denúncias de corrupção. Com essa decisão, o Conselho Monetário Nacional (CMN) reforçou a blindagem da economia contra os efeitos da instabilidade política. Esse dado seria menos importante, provavelmente, se o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tivesse razão num de seus comentários formulados depois da reunião do conselho. Problemas políticos, disse o ministro, resolvem-se politicamente. Os econômicos, no âmbito da economia. Infelizmente, essa divisão só é segura em países com tradição de estabilidade econômica e instituições políticas muito bem assentadas. No Brasil, é melhor prevenir. O governo foi realista, igualmente, ao fixar a meta de 4,5% para dois anos. O Banco Central (BC) tentará alcançá-la já em 2006. Em princípio, não seria justificável agir de outro modo, até porque a alta de preços vem perdendo intensidade. A manutenção da meta por dois anos, no entanto, permitirá que a autoridade monetária trabalhe com maior tranqüilidade. Obterá um bom resultado se levar a inflação a uma trajetória nitidamente declinante.

Houve realismo, em terceiro lugar, na decisão de não aceitar "um pouco mais de inflação" para obter um pouco mais de crescimento. A inflação brasileira é ainda elevada, pelos padrões internacionais, e uma política mais leniente produziria mais instabilidade. Só há uma grande conquista quando se tolera mais inflação, disse o ministro da Fazenda: é uma inflação maior. Ele está certo. Elevar a meta de inflação para reduzir os juros, como têm proposto alguns economistas, seria um contra-senso. O resultado, em pouco tempo, seria o recrudescimento da alta de preços, acompanhado de um aumento de juros ainda mais severo.

Líderes da indústria reagiram da forma previsível. Criticaram a decisão do CMN como se a busca de uma inflação de 4,5% condenasse a economia à estagnação. É uma tese infeliz. Com inflação menor, outros países têm conseguido manter crescimento econômico acelerado por vários anos. No Brasil, as fases de prosperidade mais prolongada foram sempre as de inflação contida. Quando os controles se afrouxam e os preços disparam, o resultado invariável tem sido sempre a estagnação da economia.

Os empresários farão algo muito mais útil se pressionarem as autoridades, em todos os níveis e em todos os Poderes, para conter os gastos e administrar com maior eficiência o dinheiro público. Empresários e sindicalistas mobilizam-se facilmente para protestar contra impostos, para criticar a política de juros e até para defender maior tolerância à inflação, mas nunca para propor aquilo que realmente faria diferença: uma reforma para valer das finanças de governo e dos padrões de gestão pública.

Desta vez, porém, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, está mobilizando a classe para fazer exatamente isso.

Se for pressionado para buscar esses objetivos, o governo poderá mais facilmente promover as reformas necessárias para completar o ajuste fiscal e torná-lo sustentável. Quando a pressão tem a finalidade errada, as autoridades econômicas agem corretamente ao resistir.

Acertam duplamente ao defender sua política antiinflacionária. Primeiro, porque maior inflação não produz crescimento econômico duradouro. Segundo, porque os maiores prejudicados pelos preços em alta são os mais pobres e menos capazes de proteger-se.

Os que mais combatem a austeridade monetária são exatamente os grupos menos vulneráveis aos males da inflação. Não se trata apenas dos empresários, que em geral conseguem reajustar seus preços mais velozmente que os salários. São também os grupos profissionais mais organizados e, portanto, mais capazes de negociar reajustes salariais e também de usar as defesas proporcionadas pelo sistema financeiro.

Os brasileiros já viram esse filme. Seu final é infeliz para a maior parte das pessoas, que entram na história como figurantes sem defesa e sem voz ativa. Os críticos da política antiinflacionária gostam muito de falar sobre políticas sociais. Seria bom lembrarem, de vez em quando, que a inflação é um dos mais terríveis mecanismos de concentração de renda.