Título: A reforma política
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Notas & Informações, p. A3

Desse monturo que é o escândalo do mensalão e das denúncias de corrupção nos Correios e no IRB, acaba de rebrotar a reforma política. Mesmo com as imperfeições do projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a reforma pode oxigenar um pouco o ambiente político, dissolvendo o miasma que tem asfixiado a ética na política e a seriedade na vida partidária.

O projeto ficou mais de ano na Comissão. Buscava-se um consenso impossível de ser obtido, pois as mudanças propostas contrariavam os interesses mesquinhos, mas solidamente consolidados, da maioria dos parlamentares que as teriam de votar. Só o avassalador movimento de opinião que se seguiu às evidências de que os hábitos políticos se haviam degradado a um nível inédito na história republicana obrigou o Palácio do Planalto e as lideranças no Congresso a tentar remover algumas das causas estruturais da corrupção.

Está mais do que comprovado que a atual legislação eleitoral e partidária é o caldo de cultura da corrupção. Como explicou com clareza cristalina o "professor" Roberto Jefferson, as indicações para cargos de confiança na administração direta e em estatais - hoje mais de 20 mil! - nada mais são do que expedientes para captar "doações" para os fundos de campanha dos partidos que apóiam o governo. Essa prática contumaz tornou a corrupção um fato corriqueiro na vida política. O mensalão foi apenas o corolário dessa corrupta forma de arrecadação de fundos, consolidada pela proliferação de partidos de aluguel e pelo troca-troca de partidos.

A legislação viciada torna o sistema político intrinsecamente corrupto. Enquanto ela vigorar, conselhos de ética, comissões de inquérito e sindicâncias policiais apenas arranharão o verniz que recobre as deformidades da vida político-partidária. É preciso - e urgente - mudar essa legislação, o que começa a ser feito com a aprovação da reforma pela Comissão. O projeto vai agora para o plenário da Câmara e, em seguida, ao Senado. Se aprovado até o final de setembro, vigorará nas eleições de 2006.

O texto cria o financiamento público das campanhas. Os partidos receberão, segundo critérios de desempenho eleitoral, verbas federais para custear seus gastos, ficando proibidas as doações de recursos de pessoas físicas e jurídicas. Retira-se o proverbial sofá da sala, ou seja, os tesoureiros dos partidos estarão proibidos de correr a sacolinha entre doadores que nunca deixam de esperar uma retribuição, após as eleições. A vedação das contribuições privadas é polêmica, mas, nas atuais circunstâncias, justifica-se experimentar o financiamento público exclusivo.

O projeto também proíbe a formação de coligações nas eleições proporcionais, o que, de certa forma, escamoteava a vontade do eleitor. Aprovado o projeto, este somente poderá votar em uma lista partidária, sendo vedado o voto em candidatos isolados. Com isso, pretende-se deixar claro que o mandato pertence ao partido e não ao candidato eleito, como ocorre atualmente.

Mas, a par dos avanços, há recuos lamentáveis. O projeto acaba com a verticalização das chapas, podendo os partidos fazer as coligações que quiserem para cargos executivos em nível nacional e estadual. Isso enfraquece os partidos que, por lei, devem ser nacionais.

Pior que isso é a rejeição do princípio da fidelidade partidária. Para acabar com a troca de partidos, pretendia-se estender o prazo de filiação do candidato de um ano para dois anos, se ele pretendesse disputar a eleição seguinte. A medida saneadora caiu na Comissão.

Igualmente perniciosa é a redução dos critérios da cláusula de barreira, ou de desempenho. Pela lei atual, a partir do próximo ano os partidos teriam de ter no mínimo 5% do total de votos no País, em todos os níveis, e 5% de votos para a Câmara dos Deputados, além de eleger pelo menos um deputado em cinco Estados para ter direito ao Fundo Partidário, acesso ao horário gratuito e fazer-se representar no Congresso. A Comissão reduziu a exigência para 2% e ainda permitiu a federação de partidos pequenos para disputar eleições e cumprir a cláusula de desempenho. Cabe aos plenários da Câmara e ao Senado corrigir essas distorções.