Título: Sentenças inócuas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Notas & Informações, p. A3

Os ex-prefeitos de São Paulo Celso Pitta e Marta Suplicy foram condenados, em processos distintos, a penas de suspensão dos direitos políticos, multas e proibição de contratar com o poder público e dele receber benefícios fiscais ou creditícios. A Celso Pitta foi aplicada pena de suspensão de direitos por oito anos. A Marta Suplicy o mesmo tipo de penalidade vale por três anos. Em tese, essas condenações tornam os dois políticos inelegíveis para o pleito do próximo ano, o que liquidaria os planos eleitorais de Marta Suplicy, que quer ser a candidata do PT ao governo do Estado. Na prática, as condenações não têm aplicação imediata, embora penalizem atos de improbidade administrativa, caracterizados pelo mau uso de dinheiro público, no caso de Marta, e de enriquecimento ilícito, no de Pitta.

Marta Suplicy foi condenada porque a juíza Christiane Santini, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, considerou ato de improbidade administrativa a contratação sem licitação pública, pela Prefeitura de São Paulo, da ONG Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS), para formar professores e coordenar atividades de orientação sexual na rede municipal de ensino. A entidade, contratada pelo valor total de R$ 2,029 milhões, foi fundada pela sexóloga Marta Suplicy, que foi sua coordenadora técnica até 1994 e presidente de honra desde então. Houve dispensa de licitação porque a ONG foi considerada empresa com notório saber em sua área de atuação. O Ministério Público, no entanto, constatou a existência de várias outras organizações com a mesma qualificação e entendeu, assim como a juíza do feito, que a licitação era obrigatória. Com Marta Suplicy, foi condenada a ex-secretária de Educação Maria Aparecida Perez, devendo ambas, além da suspensão de direitos, pagar multa equivalente ao valor de seu s salários de março de 2003. A ONG foi multada em 30% do valor do contrato.

Já o juiz Valter Menna, da 3ª Vara da Fazenda Pública, entendeu que constituiu ato de improbidade administrativa o fato de o ex-prefeito Celso Pitta e sua ex-mulher Nicéa Pitta terem ido a Paris, em 1998, para assistir ao jogo de estréia do Brasil na Copa do Mundo, às expensas da multinacional Lyonnaise des Eaux, controladora da Vega Engenharia Ambiental, que tinha contratos de coleta e destinação de lixo com a Prefeitura. Os direitos políticos de Pitta foram suspensos por oito anos, acrescida a pena de multa no valor de três vezes os custos da viagem, estimados em R$ 17.289,83, e da proibição de contratar com o poder público ou dele receber benefícios creditícios e fiscais por dez anos. A Vega foi condenada à mesma multa e proibição.

Os advogados dos réus recorrerão das sentenças, alegando os mais variados incidentes processuais ou erros de interpretação. O de Pitta adianta que o juiz não considerou o pagamento das despesas com a viagem, que teria sido feito pelo ex-prefeito. O de Marta alega que a sentença não poderia ter sido exarada porque estava em vigor liminar do Tribunal de Justiça, suspendendo a tramitação do processo em primeira instância. Como sempre acontece nesses casos, os processos terminarão nos tribunais superiores, em Brasília, uma vez que as sentenças de suspensão de direitos políticos não têm aplicação imediata, só valendo uma vez esgotados os recursos à Justiça.

Isso significa que, condenados em primeira instância por improbidade administrativa, um delito punido com a inelegibilidade e proibição de gerir a coisa pública, os réus, na prática, não são punidos.

Esse é um dos mais graves defeitos da lei brasileira. O legislador - não por acaso parlamentares que já administraram ou almejam administrar a coisa pública em cargos executivos - colocou sob suspeição toda e qualquer decisão de primeira instância, não permitindo que os gestores condenados por improbidade sofram imediatamente as conseqüências de seus atos. Levando ao extremo o princípio constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o legislador, na verdade, consagrou a impunidade. E inverteu a proteção constitucional, pois não é o administrador ímprobo que deve receber o resguardo da lei, e sim a sociedade, que não pode ficar à mercê de quem fez mau uso dos recursos públicos.