Título: Autoridade política de Bush declina
Autor: Richard W. Stevenson
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Internacional, p. A18

Democratas já não temem presidente, e congressistas republicanos, de olho na reeleição, atuam de forma cada vez mais independente

WASHINGTON - Cinco meses depois de o presidente americano, George W. Bush, ter sido empossado para mais um mandato de quatro anos, sua autoridade política parece estar em declínio, tanto em seu próprio Partido Republicano - com congressistas agindo cada vez mais por conta própria, ainda que esporadicamente - quanto entre os democratas, que descobriram que pagam um preço baixo ou nulo por desafiá-lo. Em alguns casos, Bush sofre pequenas avarias políticas que podem ser remendadas, como as votações na Câmara dos Representantes na semana retrasada para contrariá-lo no corte da contribuição às Nações Unidas e na manutenção de uma provisão polêmica da Lei Patriótica.

Em outros, o dano é mais que cosmético, como no caso da pesquisa de células-tronco, questão na qual boa parte de seu partido está rompendo com ele. Em alguns poucos casos - mais notavelmente a peça central de sua agenda para o segundo mandato, a reformulação do Seguro Social -, ele está perigosamente perto de uma catástrofe que poderia ter conseqüências duradouras para sua posição e para o Partido Republicano.

Há uma semana, os democratas no Senado de maioria republicana bloquearam mais uma vez a confirmação de John R. Bolton como embaixador nas Nações Unidas. E, com seus índices nas pesquisas despencando à medida que os eleitores ficam mais inquietos com o Iraque e a economia, o presidente Bush enfrentará outros grandes desafios nas próximas semanas e meses - de batalhas legislativas sobre energia, comércio e imigração à possibilidade de uma briga polarizadora sobre a confirmação de indicados para a Suprema Corte.

O efeito cumulativo de suas dificuldades nos últimos meses tem sido o de abalar a sensação de domínio que ele procurou projetar depois da reeleição e aumentar os temores, entre os republicanos no Congresso, de que os eleitores os considerem responsáveis, como membros do partido no poder, por não tratar das questões que mais preocupam o público.

"O capital político que ele acreditava possuir encolheu muito, e ele superestimou o quanto possuía no começo", disse Allan J. Lichtman, historiador da Universidade Americana, em Washington.

"O Congresso é como Wall Street - opera com base no medo e na ganância", afirmou Lichtman. "Os democratas não temem mais o presidente e estão se tornando gananciosos, pois acham que podem derrotá-lo. A atitude que se vê entre os republicanos no Congresso é a de 'quem se salva primeiro'."

Há duas semanas, Bush respondeu atacando os democratas, retratando-os como obstrucionistas, estratégia que tem seus riscos, pois parece admitir uma incapacidade dos republicanos de levar a cabo uma plataforma de governo. Procurando também uma mensagem mais positiva, o governo, que sempre relutou em admitir que as coisas não estão saindo exatamente como planejado, embarcou numa campanha de relações públicas destinada a convencer os americanos de que Bush está em sintonia com suas preocupações.

Bush não oferece nada de novo em política. Em vez disso, reitera suas visões de que a guerra no Iraque vale os sacrifícios e de que suas abordagens de questões como energia e comércio são a melhor maneira de tratar das preocupações econômicas. Mas sua mensagem está sendo de algum modo minada pelos rebeldes mais francos em seu próprio partido.

Entre eles estão dois potenciais candidatos ao cargo de Bush. Um é o senador Chuck Hagel, de Nebraska, que, numa entrevista à edição da semana passada da revista U.S. News & World Report, disse que as afirmações do governo sobre o Iraque são "desligadas da realidade". O outro é o senador John McCain, do Arizona, que, no programa Meet the Press, da NBC, há uma semana, contestou a afirmação do vice-presidente Dick Cheney de que a insurgência iraquiana estaria agonizando.

É cedo demais para rejeitar Bush como um fracassado. Ele continua extremamente popular entre os republicanos, está cercado por uma equipe política habilidosa e agressiva e, no passado, conseguiu tirar vitórias totais ou parciais de situações aparentemente desesperadoras. Mesmo que tenha de recorrer a manipulações astuciosas, ele tem uma boa chance de assinar uma lei de política energética e um acordo comercial com as nações centro-americanas nos próximos meses.

Mas Bush já teve de adiar sua próxima grande iniciativa, uma reformulação do código fiscal. E, salvo alguma crise que resulte em outra mobilização em torno do presidente, disseram analistas, a melhor oportunidade de Bush para promover a agenda pode ter passado.

Para muitos republicanos, os problemas de Bush não são inesperados, dada sua disposição de tratar de questões politicamente difíceis, como o Seguro Social e a imigração. Eles dizem que as divisões no partido são administráveis e assinalam que a obstinação e o apelo pessoal de Bush garantem que ele ainda dirigirá o debate no Capitólio e no país, mesmo que não consiga tudo que pretende.

"Mais coisas estão sendo feitas do que parece", disse o deputado Peter T. King, republicano de Nova York, apontando para a aprovação, neste ano, de leis mudando o sistema de falências e limitando as ações judiciais coletivas, e também para o sucesso de Bush na confirmação, pelo Senado, de mais nomeações para o Judiciário.

No entanto, acrescentou King, "ainda será difícil nos casos do Seguro Social e da imigração".

"Bush estará no controle da agenda, mas este controle não será tão enfático quanto nos primeiros quatro anos", disse King.

Democratas afirmaram que os problemas de Bush foram resultado de suas próprias ações e vieram de sua insistência em fazer as coisas à sua maneira e ver o bipartidarismo como nada mais que um meio de conquistar alguns democratas para obter a aprovação de leis.

Bush e seu governo agora se vêem com pouco ou nenhum apoio dos democratas e com um Partido Republicano que tem se mostrado relutante em apoiar o presidente em várias frentes.

"Sua agenda doméstica está realmente paralisada, e eles procuram uma saída", disse o senador Ron Wyden, democrata de Oregon. "Eles parecem resistir ao abandono da política de um presidente em primeiro mandato que quer ser reeleito em favor da política clara de um presidente em segundo mandato que quer ser capaz de apontar realizações substanciais."

Até certo ponto, os problemas de Bush são um resultado de interesses políticos divergentes: os congressistas aos quais ele pede apoio em questões difíceis, como o Seguro Social, o comércio e a imigração, têm de disputar a reeleição, muitos deles no ano que vem, enquanto ele se dá ao luxo de pensar em seu lugar na História e na reformulação, a longo prazo, da política e das políticas.

A atual situação também reflete o estilo de Bush de não ceder um milímetro até que a derrota seja inevitável, e só então aceitar um compromisso ou capitular.

Numa recente reunião com líderes republicanos do Congresso, Bush disse a eles que "estamos prestes a conseguir realizar muitas coisas", segundo um funcionário da Casa Branca que estava presente. Os 55 senadores republicanos foram convidados a ter seu almoço semanal de discussão de políticas na Casa Branca na terça-feira passada - gesto que faz parte de um esforço do governo para responder às reclamações entre os republicanos de que a Casa Branca não abriu bons canais de comunicação com o Congresso.

"Embora tenham sido 45 dias difíceis, Bush pode e vai se recuperar, e todo esse nervosismo vai acabar", afirmou Scott W. Reed, consultor republicano que dirigiu a campanha presidencial de Bob Dole em 1996.

No entanto, segundo Lichtman, a História indica que é difícil para os presidentes em segundo mandato recuperar a influência sobre a política doméstica depois de dissipá-la.

"Segundos mandatos nunca foram redimidos pela política doméstica", afirmou Lichtman. "É muito difícil se recuperar depois de enfrentar problemas na política doméstica, como quase todos enfrentam. Se eles têm sucesso, é por causa dos assuntos externos."