Título: Banco do mensalão fica em paraíso fiscal no Caribe
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Nacional, p. A10

Da companhia offshore Trade Link Bank, nas Ilhas Cayman, teriam saído recursos para pagar parlamentares

Fica em Grand Cayman, paraíso fiscal que abriga segredos e fortunas de origem desconhecida, o endereço oficial da Trade Link Bank - offshore apontada como suposto elo do mensalão no Congresso e do esquema de propina que teria sido oferecido pelo PT ao PPS em São Paulo. A informação foi apurada pela Procuradoria da República, que dispõe de dados e uma coleção de documentos que apontam para a conta corrente 560-1, na agência Nova York do Banestado. Por essa conta, da qual a Trade Link é titular, transitaram US$ 698, 4 milhões. Procuradores federais que investigam o esquema Banestado - remessa de US$ 30 bilhões por meio de CC 5, contas brasileiras de não residentes -, suspeitam que parte dos recursos que passaram pela conta 560-1 foi enviada por empresários que operam com caixa 2 e políticos corruptos. Eles buscam ligações da Trade com o Banco Rural, de onde teriam saído recursos para o mensalão, segundo acusou o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).

Rui Vicentini, tesoureiro do PPS, denunciou que o PT teria oferecido R$ 4 milhões ao seu partido em troca de apoio na Câmara municipal de São Paulo. Segundo Vicentini, o secretário-geral do PT, Silvio Pereira, e o secretário de Comunicação da ex-prefeita Marta Suplicy, Waldemir Garreta, levaram a oferta ao PPS. A proposta teria sido feita em uma padaria em São Paulo.

O PT nega a barganha, mas Vicentini insiste em que o dinheiro saiu de uma conta da Trade Link. Ele sustenta que o tesoureiro do PT e Waldomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil, mantinham depósitos na Trade.

Os procuradores do caso Banestado, Banco do Estado do Paraná, que foi liquidado em 2000, estão rastreando os doleiros que fizeram remessas para fora do País, inclusive para a conta 560-1 da Trade Link. Eles acreditam que os doleiros são o caminho para identificar os reais beneficiários de valores enviados clandestinamente.

Dois doleiros, Alberto Youssef e Antonio Claramunt, o Toninho da Barcelona, este condenado a 25 anos de prisão, são apontados como os operadores de transferências para a conta 560-1 e para as contas Banestado. Eles também cuidavam da internação de valores, geralmente para financiamento de campanhas eleitorais.

Os procuradores descobriram que uma transação, concluída em 1998, movimentou US$ 57,1 milhões da conta 560-1 a crédito da conta 1113, da Rural International Bank, e US$ 10,58 milhões a crédito de Instituición Financiera Externa IFE Banco Rural (Uruguai), com capital social de US$ 800 mil.

As duas instituições são vinculadas ao grupo Sistema Financeiro Rural. Os procuradores constataram que, na mesma época, a quantia de US$ 1,78 milhão saiu para a conta 12446, do Banco Rural, também no Banestado.

Do Banco Rural migravam recursos para o mensalão na Câmara, revelou Roberto Jefferson, que acusou parlamentares de receberem R$ 30 mil por mês para integrarem a base de sustentação do governo Lula. O Rural foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das contas CC 5. Agora, seus dirigentes poderão ser convocados para depor na apuração do Congresso acerca da mesada que Jefferson denunciou.

O doleiro Alberto Youssef declarou ao Ministério Público Federal que "dentro do Banco Rural tinha contato com o gerente da mesa de câmbio e com o diretor internacional da área, o sr. José Roberto Salgado". Também tratava, segundo disse, "com o vice-presidente do Rural, José Augusto".

ESTRAGO

O governo brasileiro considera paraíso fiscal os países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam em alíquotas inferiores a 20% ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas. Em Grand Cayman, no Caribe, as coisas funcionam assim e, por isso, a ela acorrem empresários e políticos envolvidos em tramas de corrupção, inclusive brasileiros.

Em qualquer escritório incorporador de Cayman toleram-se documentos e declarações de toda sorte, especialmente os desprovidos de boa fé. Gasta-se poucas horas e um punhado de dólares - entre US$ 5 mil e US$ 10 mil - para comprar ou constituir empresas de fachada, as offshores que depois serão titulares de contas abertas em outros territórios para ocultar ativos de origem suspeita. "Não é caro adquirir uma offshore, ainda mais diante do estrago que esse tipo de operação vai causar nos cofres públicos do país onde agem os corruptos", observa o promotor de Justiça e da Cidadania Silvio Marques.

A base da investigação sobre a Trade Link Bank é um laudo contábil da Polícia Federal juntado aos processos do Banestado. Desse dossiê consta regulamento de trustes e bancos relativo à licença bancária da Trade Link, concedida pelo governo de Grand Cayman em junho de 1996. Também faz parte do laudo federal cópia em inglês de declaração do escritório de registro de companhias de Cayman, datado de 23 de janeiro de 1998, informando o quadro da diretoria da Trade Link Bank - Sabino Correa Rabello (presidente executivo), Renato Scaff, Holton Gomes Brandão e Guilherme Rocha Rabello (diretores).

A ligação da Trade Link com o esquema Banestado fica demonstrada em correspondência, em inglês, de 16 de abril de 1998, enviada por Hugo Munoz (supervisor do Banestado) para Iralda Guedes e Carmen Montoto, do Departamento de Banco Privado do Bank of America, trocando informações sobre o cliente (Trade Link Bank) da conta n.º 010307, do próprio Bank of America.

REFERÊNCIA

Uma outra correspondência, também em inglês, de 8 de janeiro de 1998, enviada por Ricardo Bermudez, em nome da Trade Link Bank, para Gilson Girardi e Valdir Perin, do Banestado Nova York, solicitando enviar uma carta de referência para o Swiss Bank Corporation/Stanford, pois estavam em processo de abertura de conta neste banco. Os peritos da PF anexaram ao laudo cópia de declaração do Banestado NY, de 11 de setembro de 1997, informando que a companhia Trade Link Bank era cliente desde 26 de setembro de 1995.

No balanço da movimentação financeira apurada, os peritos agruparam os lançamentos por ordem de código de histórico da operação. Eles concluíram que na conta 560-1foram movimentados recursos da ordem de US$ 698,4 milhões, computando-se apenas as operações de maior importância. Após esses procedimentos, os peritos concluíram que na conta 1162-8 do IFE Rural foram movimentados recursos na ordem de US$ 3,08 bilhões.

O anexo 313 do laudo contém todas as ordens de pagamento enviadas da conta 560-1, da Trade Link, e o fluxo dos recursos entre as contas da agência NY do Banestado. Aparecem as transferências para o Banco Rural e suas subsidiárias, Rural International Bank e IFE Banco Rural, em Montevidéu.

O anexo 360 mostra o fluxo dos recursos entre as contas do Banestado Nova York. Contém todas as ordens de pagamento enviadas da conta 1162-8 do IFE Rural para outras contas correntes. Uma transferência de US$ 9,42 milhões foi realizada a crédito da Trade Link Bank.

Para a conta Beacon Hill, no J.P. Morgan de Nova York, a Trade Link transferiu US$ 200 mil. A Beacon Hill deu origem à Operação Farol da Colina - prisão de 62 doleiros em setembro, entre eles Toninho da Barcelona, que movimentou US$ 191 milhões no Morgan.

O procurador Vladimir Aras, que comanda a caçada aos doleiros, chamou a atenção para as transações da Lonton Trading Ltd., de Belo Horizonte. A Farol da Colina prendeu os doleiros da Lonton, Haroldo Biscalho e Silva e Paulo Roberto G. Lima, que registra muitas transações com a Trade Link Bank e com o Rural e suas variações.