Título: Petistas sem cargo e poder querem tudo esclarecido
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2005, Nacional, p. A12

Eles olham o noticiário com desconfiança e acham que há exageros, além de uma histórica má vontade contra seu partido. Mas mesmo assim são unânimes na conclusão de que o melhor caminho para o PT e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva diante do escândalo do mensalão é apurar tudo com rigor e punir os culpados. Eles não toleram a corrupção e acham insuportável a associação entre esse assunto e o partido que ajudaram a construir. Eles são líderes comunitários de São Mateus, o mais tradicional e mais forte reduto petista da cidade de São Paulo, nos confins da zona leste. Os mapas eleitorais mostram que o PT sempre vai melhor ali do que em qualquer outra região da cidade - fato atribuído ao apoio de uma bem organizada rede de comunidades de base, ligada à Igreja Católica, e à proximidade com São Bernardo do Campo, berço do partido.

O noticiário sobre o suposto envolvimento da cúpula do PT com a compra de deputados desabou com o estrondo de uma bomba no meio dessa rede. "Foi horrível", diz dona Sebastiana Helena Farias, de 55 anos. "De todos os ataques que o partido já sofreu, esse foi o pior. É muito doído ouvir essas coisas, mas não dá pra fingir que não aconteceu nada. É preciso apurar e, se teve erro, punir o malfeitor."

Dona Sebastiana já atuava nas pastorais sociais da Igreja, no meio da população carente, quando o PT começou a ser organizado e ela apoiou a idéia. Ainda lembra com clareza a ocasião em que Lula participou de um encontro com líderes comunitários no Parque São Rafael, um dos bairros dali: "Ficou quase três horas. Contou toda a vida dele. Lembro bem quando disse que um dos maiores problemas do Brasil era a impunidade."

Na opinião dela, o presidente Lula está governando muito bem e melhorando o Brasil. "Mas vai ser melhor ainda se ele mostrar que o governo dele é limpo, bonito como deve ser."

Para outro líder comunitário, Edevaldo Marques, de 43 anos, as denúncias podem afetar a imagem do partido, as articulações de esquerda e os movimentos populares. "A única maneira de impedir isso é mandar apurar tudo", diz ele. "Os culpados devem ser punidos, mesmo se for alguém da direção, mesmo se for o José Dirceu."

Marques acredita que a cúpula do PT errou quando não se empenhou na investigação das denúncias sobre Valdomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil: "Um partido que sempre combateu a corrupção não pode participar de nenhuma operação abafa. Quando faz isso, vira um partido como outro qualquer e repete os erros de governos anteriores."

INTOLERÁVEL

O padre Antonio Naves, que dirige a Paróquia Santa Marina, na Vila Carrão, observa que a corrupção é considerada intolerável nessas comunidades. "Qualquer desvio, até na associação de bairro, é combatido", diz ele. "O que o pessoal deseja agora é que tudo fique muito claro e que os culpados sejam punidos publicamente."

O ex-metalúrgico Antonio José dos Santos, de 48 anos, que hoje trabalha como autônomo, prestando serviços de serralheria, não acredita na veracidade das denúncias. Para ele, os setores mais conservadores sempre tentaram colar a marca da corrupção no PT, partido que ele ajudou a levar para a região de São Mateus, há mais de 20 anos. "Fazem isso em períodos pré-eleitorais, mas nunca conseguiram provar nada."

Mesmo assim, ele se alinha com os outros líderes comunitários na exigência de que o partido não se oponha à investigação. "Se alguém disser que teu filho está no caminho errado, o que você faz? Finge que não ouve? Ou vai verificar se é verdade ou não?"

De maneira geral, o que se verifica nas conversas com os líderes comunitários ligados à Igreja é que se preocupam com o que vão dizer nas reuniões de moradores, como vão explicar as denúncias contra seu partido. Enfatizam mais a cobrança das investigações sobre corrupção do que outras organizações alinhadas com o PT, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Sem-Terra (MST).

Com raras exceções, não descartam totalmente a hipótese de dirigentes do PT estarem envolvidos com algum esquema ilícito. A única pessoa que preservam é o presidente Lula. Não acreditam no envolvimento dele com a corrupção. Mas admitem que, se isso ocorrer, o dano será incalculável.

"Esse é um terreno muito perigoso", diz o padre Naves. "Uma denúncia contra Lula serviria de munição para aqueles que sempre defenderam a idéia de que um trabalhador, um filho do povo, não serve para ser governante do País."Edevaldo Marques afirma que, se a figura de Lula for atingida, a esquerda vai ter de enfrentar a descrença popular "pelos próximos cinqüenta anos". E logo ressalva: "Isso não vai ocorrer, apesar do esforço da direita."