Título: Novo n.º 1 do BID dá ênfase ao Brasil
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2005, Economia & Negócios, p. B5

O colombiano Luiz Alberto Moreno virá ao País antes de assumir o posto

Na sexta-feira, dois dias depois de ser eleito presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) numa votação que dividiu os 47 países membros da instituição, o colombiano Luiz Alberto Moreno iniciou o trabalho de desanuviar a atmosfera carregada deixada pela disputa. Um eficiente embaixador de seu país em Washington nos últimos sete anos, Moreno fez uma visita ao vice-presidente do BID, o brasileiro João Sayad, a quem derrotou, e reuniu-se, também, com o diretor-executivo do Brasil na instituição, Rogério Studart. Ele visitará o Brasil antes de assumir a presidência do banco, em outubro.

"O Brasil é fundamental para o BID", disse Moreno ao Estado, em sua primeira entrevista como presidente eleito - ciente de que uma eventual perda de interesse do País pela instituição, após a derrota da candidatura brasileira, teria conseqüências negativas para a instituição que dirigirá: o BID depende muito hoje da renovação da carteira de empréstimos de seus maiores clientes para manter sua viabilidade e relevância.

Ex-jornalista, ex-consultor financeiro e ex-ministro em seu país, Moreno é um homem de pequena estatura e voz possante, que aparenta bem menos do que os 52 anos que tem. É casado e tem dois filhos adolescentes do primeiro casamento, que vivem com a mãe, em Londres.

Quarto presidente do BID nos 46 anos de história da instituição, o sucessor de Enrique Iglesias é um diplomata formado em administração de empresas.

Moreno firmou sua reputação de competência em Washington cultivando fortes laços e franco acesso à Casa Branca. Esta semana, acompanhará o presidente colombiano, Álvaro Uribe, a um encontro com o presidente George W. Bush no rancho presidencial em Crawford, Texas.

Moreno ganhou amplo trânsito nas duas últimas administrações e no Congresso americano como arauto do Plano Colômbia, de combate ao narcotráfico, que valeu cerca de US$ 4 bilhões em ajuda a seu país e o transformou em terceiro maior destinatário da assistência internacional dos EUA, depois de Israel e Egito. A seguir, trechos da entrevista.

Em contraste com os três primeiros presidente do BID, eleitos por unanimidade, o sr. venceu uma eleição na qual os países acionistas se dividiram. A falta de consenso dificultará seu trabalho na presidência do banco?

Será preciso arredondar as coisas. Mas era normal que países quisessem a presidência do banco, que é a maior instituição financeira multilateral depois do Banco Mundial e teve nos últimos 17 anos à frente um estadista da estatura de Enrique Iglesias. Era absolutamente legítimo que o Brasil e o Peru a quisessem. Nos 46 anos do BID, os países andinos e a Colômbia, em especial, tinham ensaiado duas vezes apresentar candidatos. Era normal, por isso, que desta vez houvesse vários candidatos. Nós estávamos perto dos 15 votos (a maioria regional necessária) duas semanas antes da eleição. Mas faltava o Caribe. E sabíamos que o Uruguai e o Paraguai poderiam estar conosco. Nós trabalhamos até o final para que houvesse um consenso. Infelizmente, não houve tempo.

Agora que já passou, como foi, de seu ponto de vista, a disputa com o Brasil?

Fizemos uma campanha de alto nível desde o primeiro dia.

Quando lançou minha candidatura, o presidente Uribe chamou o presidente Lula e disse que não queria que se repetisse na eleição do BID o que aconteceu na eleição para secretário-geral da OEA (uma azeda confrontação entre candidatos do Chile e do México, resolvida a favor do chileno José Miguel Insulza em negociações, depois de cinco empates). O BID é uma instituição voltada ao desenvolvimento. Tem US$ 40 bilhões no mercado. Queria evitar uma situação de divisão. Nossa atitude foi sempre e continua a ser a da mão estendida e da abertura para o entendimento. Eu espero viajar logo ao Brasil, à Argentina e ao Chile. Como disse aos representantes do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento, quero trabalhar muito com o Brasil pois é um país demasiadamente importante para o banco, não apenas como cliente, mas pelo óbvio interesse e pelo impacto que tem no desenvolvimento da região.

O sr. é identificado como um homem muito próximo do governo dos Estados Unidos. Na véspera da eleição, o New York Times chegou a especular que isso poderia criar resistências na região. Como vê isso?

Em primeiro lugar, eu não acho negativo ter um bom manejo das relações com os Estados Unidos. Considero isso muito positivo. Tinha um mandato muito claro quando fui nomeado embaixador da Colômbia em Washington, que era desenvolver uma boa relação com os EUA. E tenho muito orgulho do que fiz como embaixador. Pretendo agora pôr essa mesma capacidade de gestão que desenvolvi como representante do meu país a serviço da construção de consensos na região. E há que começar a construí-los com os países que têm muito a dizer - entre eles, fundamentalmente, o Brasil - sobre nossos desafios, como o da busca da coesão social. Agora, não aceito que se diga à priori que como sou amigo dos americanos não posso ser amigo dos latino-americanos. Americanos, neste continente, somos todos. Creio que existe uma oportunidade para trabalharmos juntos, de forma positiva. É ambicioso pensar assim? Talvez. Mas é preciso ter ambição para se chegar aonde quer.

O sr. recebeu o voto do México. Mas durante a campanha, o governo mexicano dividiu-se: a chancelaria endossou sua candidatura e o Ministério das Finanças divulgou nota oficial para dizer que o sr. não tinha as qualificações necessárias para presidir o BID. Como isso foi contornado?

Tive no presidente Uribe o melhor chefe de campanha, pois falava com os outros presidentes o tempo todo e conseguiu que vários deles me recebessem. Assim, fiz uma campanha falando muito com os presidentes dos países. Tive uma excelente conversa com o presidente (Vicente) Fox. Os problemas internos do México devem ficar no México. Tive a oportunidade de conversar com o ministro das Finanças Francisco Gil Díaz, que é muito respeitado na região. Sei que terei uma boa relação de trabalho com ele. Agora, isso a que você se refere são episódios normais de uma campanha que já terminou. Daqui para frente, tenho de pensar no BID, e pensar grande.

Quais são suas prioridades para o BID?

A primeira é trabalhar para que o BID siga sendo relevante.Hoje em dia, há uma grande liquidez no mercado e os países, especialmente os grandes, emitem bônus com muita facilidade. É importante, pois, que o banco siga sendo relevante para esses países.Há também desafios claríssimos: a busca de maior eficiência como instituição; a necessidade de adaptar-se para responder aos novos desafios que a América Latina enfrenta. Um deles é o da infra-estrutura.O empresariado colombiano, por exemplo, tem receio quando se fala em acordo de integração com o Brasil. Em parte isso se deve ao desconhecimento, que é o resultado da falta de comunicação - não só da comunicação oral, mas da comunicação física. Creio que é preciso dar mais ênfase também no BID às atividades com o setor privado. Temos também de continuar tocando a agenda de combate à pobreza e exclusão social. Aqui, é fundamental apostar na educação, na formação de quadros, que é indispensável para enfrentar os desafios da globalização, a ascensão da China e da Índia. Outro tema a que o BID deve continuar a dar atenção é a questão das remessas que a região recebe de seus imigrantes, que já somam US$ 40 bilhões anuais. É preciso trabalhar para reduzir os custos de transação e encontrar maneiras para que esses recursos contribuam para criar mais investimentos nos países.

A importância relativa da economia da América Latina no mundo está em declínio. Isso o preocupa?

Certamente. O eixo do desenvolvimento mundial não está mais no Atlântico, mas no Pacífico, por causa da ascensão da da Ásia, especialmente a China. O Brasil e o Mercosul têm tomado a iniciativa de aproximação com a Índia. É um país bastante interessante para nós, porque enfrenta desafios parecidos com os nossos, como lidar com problemas sociais dentro de um marco democrático. A grande questão para a região é encontrar seus nichos na nova economia do novo mundo. É vital atacar os nossos déficits de informação, que existem em parte em função da língua. Uma das vantagens da Índia é que milhões são fluentes em inglês. Precisamos apostar na educação, para poder não apenas absorver melhor a informação, mas também saber o que fazer com ela. A região será ainda por muito tempo uma grande produtora de commodities. O Brasil tem feito coisas fascinantes na agricultura. Mas precisamos mirar mais o exemplo da Índia. A grande pergunta para a região é como convertemos informação em valor agregado. Nisso, creio que estamos ainda um pouco perdidos.

O sr. fará mudanças na alta hierarquia do BID? Tem planos de reestruturação do banco?

Não vou me aventurar por esse caminho. Não assumi nenhum tipo de compromisso em relação a cargos, durante a campanha. Pretendo usar os próximos meses para fazer consultas. Quero ouvir os governos e os funcionários do banco. Minha avó dizia que não é por acaso que temos dois ouvidos e uma boca. É preciso ouvir mais do que falar.