Título: Brasileiro volta a consumir produto mais barato
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2005, Economia & Negócios, p. B3

Tendência, confirmada pelos supermercados e grandes indústrias, reflete aperto no bolso do consumidor

O brasileiro voltou a consumir mais alimentos e artigos de higiene e limpeza básicos. A migração de compras de produtos mais caros para os mais baratos é recente e começou na virada de abril para maio, revertendo, em parte, a recuperação de terreno das marcas líderes ocorrida no ano passado. A tendência, confirmada pelos supermercados e grandes indústrias, reflete o aperto no bolso do consumidor. A inflação das tarifas, que são despesas compulsórias, somada à recuperação lenta da renda nos últimos meses levaram o brasileiro a economizar, comprando itens mais baratos, especialmente na despesa de supermercado.

Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o rendimento médio real do trabalhador fechou o segundo trimestre com acréscimo de apenas 0,2% ante o mesmo período de 2004, depois de ter crescido 2,2% entre janeiro e março na comparação anual. Até junho, as tarifas subiram nos últimos 12 meses 10,69%, superando a inflação acumulada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, o termômetro oficial, que registrou alta de 7,27% no mesmo período.

"Está ocorrendo uma volta aos produtos mais básicos", afirma Fernando Falco, presidente da General Mills no Brasil, dona das marcas Forno de Minas, Frescarini e Pillsbury. Apesar das taxas expressivas de crescimento de vendas registradas no primeiro semestre, de 11%, quase o dobro do mercado, a empresa está preocupada com a perda de poder aquisitivo do consumidor.

Nos últimos meses, a companhia detectou, por exemplo, uma desaceleração na taxa de crescimento das vendas de produtos mais nobres, como o pão de queijo da marca Forno de Minas, que leva mais queijo e é mais caro. No mesmo período, as vendas do pão de queijo mais barato, da marca São Geraldo, também fabricado pela empresa, cresceram acima de dois dígitos, conta Falco. "Pretendemos reavaliar os lançamentos, especialmente de produtos mais caros, planejados para este semestre."

"Notamos alguma migração", diz o diretor-presidente do Frigorífico Eder Santo Amaro, Adriano Olmeda. No último mês, as vendas de salsicha do tipo viena, mais nobre, da marca Santo Amaro, caíram entre 3% e 4% ante maio. No mesmo período, as vendas de salsicha do tipo hot dog, da Pesarese, a marca mais barata, se mantiveram. O preço da salsicha da marca Santo Amaro é o dobro do da Pesarese.

Na avaliação de Olmeda, o consumidor está com medo de gastar e decidiu economizar nas compras. "As vendas nos supermercados estão mais fracas, mas os produtos populares estão conseguindo se manter."

Pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mostra que o faturamento real acumulado neste ano, já descontada a inflação, perdeu fôlego do primeiro para o segundo trimestre, exatamente quando a economia deu uma freada e, logo em seguida, o consumidor começou a migrar para produtos mais baratos.

De janeiro a março, os supermercados acumularam alta real de 8,63% nas vendas ante o mesmo período de 2004, mas fecharam o primeiro semestre com acréscimo bem menor, de 3,68%. O presidente da Abras, João Carlos de Oliveira, atribui parte da desaceleração do faturamento à migração de compra de produtos mais caros para os mais baratos. "Notamos que o movimento está acontecendo desde o fim de abril, mas a velocidade ainda não é intensa."

A tendência é confirmada pelo vice-presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Martinho Paiva Moreira. "A migração entre as marcas tradicionais para as mais baratas vem acontecendo em todos os segmentos, da alimentação a produtos de higiene e limpeza, por causa da queda no poder aquisitivo."

A Kimberly-Clark, por exemplo, uma das gigantes do setor de fraldas descartáveis, informa que notou esse movimento em suas vendas e no último relatório da ACNielsen, empresa de pesquisa que audita o setor. "Os produtos básicos puxaram o crescimento do mercado de fraldas no último bimestre", afirma Eduardo Aron, diretor de marketing para o segmento de cuidados pessoais.

No bimestre maio/junho os volumes vendidos de fraldas aumentaram 6% e 5,9% em relação aos bimestres janeiro/fevereiro e março/abril, respectivamente, segundo pesquisa da ACNielsen. Já as vendas de fraldas básicas, que são as mais baratas, cresceram 12% no bimestre maio/junho ante janeiro/fevereiro e 7% comparado ao bimestre março/abril.

Além da substituição de itens, as indústrias e os supermercados perceberam uma corrida do consumidor por promoções. Uma grande rede de supermercados relata que nos últimos meses as vendas de itens em promoção chegam a triplicar em relação a períodos com preço sem desconto.

A fidelidade do consumidor às marcas líderes desaparece quando o orçamento aperta. É exatamente essa a situação que a revendedora de produtos de beleza, Silvana Duarte de Oliveira, de 43 anos, casada e mãe de dois filhos, enfrenta hoje. Com o marido desempregado, ela conta que substituiu várias marcas na lista de compras: a Pomarola pela polpa de tomate Quero, o açúcar União pelo da Barra. O mesmo ocorre com a dona de casa, Lucivan Coelho de Andrade: "Estou economizando nas compras de supermercado para ter uma folga e conseguir pagar as contas de água, luz e telefone, além do aluguel." Nos três últimos meses, Lucivan trocou o arroz da marca Prato Fino pela Tio João ou Camil, as duas últimas mais em conta. O sabão em pó também foi substituído. "Comprava o Ariel ou Omo e agora uso Minerva ou Ace."