Título: A agenda mínima do PSDB
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

O anúncio feito na quarta-feira passada pelo líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), de que seu partido vai propor uma "agenda mínima" para o País, ajudou a reduzir a temperatura política que ameaçava atingir um grau de combustão. Enganam-se, no entanto, aqueles que acham que a construção dessa agenda será uma tarefa fácil. Virgílio disse que os tucanos aceitam, por exemplo, votar um projeto de lei que dê autonomia operacional ao Banco Central. Esta é uma proposta defendida há algum tempo pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que chegou a prometer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) o envio de um projeto nesse sentido ao Congresso Nacional. O líder do PSDB coloca, no entanto, uma condição. "Antes, o Meirelles precisa ser demitido do cargo", afirmou Virgílio, em conversa com este colunista, numa referência ao atual presidente do BC, Henrique Meirelles.

Como é sabido, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito, a pedido da Procuradoria Geral da República, para investigar suspeita de envolvimento de Meirelles com sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e crime eleitoral. Arthur Virgílio acha que o governo não pode manter Meirelles no cargo na situação em que se encontra.

O líder tucano chama a atenção também para o status de ministro que o governo concedeu ao presidente do BC que, na sua opinião, é incompatível com a noção de autonomia da instituição. Por definição, argumenta Virgílio, o ministro é subordinado ao presidente da República e deve fazer o que ele mandar.

A conclusão da reforma tributária na Câmara é outro item que deve constar da "agenda mínima" dos tucanos, segundo Virgílio. "É fundamental para a economia do País que essa reforma seja concluída e estamos dispostos a isso", anunciou. É bom lembrar que as negociações foram paralisadas por iniciativa do próprio governo, diante de dois obstáculos principais.

O primeiro deles foi a oposição dos governadores da Região Centro-Oeste, que não aceitam o fim dos incentivos fiscais. O entendimento dos governadores é que a chamada "guerra fiscal" é a única saída para a industrialização de seus Estados. Eles alegam também que terão perdas expressivas de receita com a nova tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre gêneros de primeira necessidade, que são a base de suas economias.

Os governadores do Nordeste, por sua vez, querem mais dinheiro para o Fundo de Desenvolvimento Regional, que será uma espécie de compensação pelo fim dos incentivos fiscais. Além disso, eles reivindicam que os recursos que vão constituir o novo Fundo não afetem a composição dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). Como é a União que vai perder receita, as negociações não avançaram.

Essas dificuldades mostram que a aprovação da reforma tributária, que basicamente prevê a unificação do ICMS, não depende apenas do apoio dos tucanos. Ao contrário, as resistências maiores sempre partiram dos partidos da base aliada. Mas é evidente que o apoio declarado do PSDB ajuda na busca de um entendimento.

Da "agenda mínima" dos tucanos não constará, segundo Arthur Virgílio, a proposta de reforma sindical que foi encaminhada ao Congresso pelo governo. "Aquilo é uma forma de arrumar mais dinheiro para a CUT e para as outras centrais sindicais", sentenciou o líder tucano. Em troca, Virgílio propõe a discussão de um projeto de reforma trabalhista para permitir que o negociado livremente entre patrões e empregados prevaleça sobre o legislado. "Essa é a mudança que vai facilitar a contratação de trabalhadores, o aumento do emprego e o crescimento da economia", observou.

Para o líder tucano, a realidade que surgiu da atual crise impõe uma reforma do sistema político-eleitoral, e ela deve constar da agenda mínima para o País. Virgílio avisou que o governo não deve contar com o PSDB se a intenção for apenas a de votar medidas provisórias e projetos que não são essenciais à retomada do crescimento econômico. "Se for para votar mesmices, não queremos." A agenda do PSDB, que será anunciada nos próximos dias, terá outros pontos que ainda estão sendo objeto de discussões internas.

As denúncias continuadas, algumas delas envolvendo personagens importantes da cena política, provocaram desgaste considerável nas relações dos líderes partidários. Por isso, a tarefa de construir uma agenda para o País neste momento de crise será ainda mais difícil. A oposição começou a questionar os interlocutores do governo. "Não pretendo perder mais um minuto do meu tempo com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos", disse Virgílio. Para o líder tucano, o ministro se desqualificou como interlocutor porque teria virado advogado de defesa dos petistas envolvidos com a CPI e abdicado de sua função de magistrado.

O senador tucano criticou duramente também o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Segundo Virgílio, a bancada do PSDB já não aceita negociar com Mercadante. "Ele sofreu um forte desgaste", diz. Virgílio acusa Mercadante de ter participado da elaboração de um plano para caracterizar o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), como responsável pela montagem do esquema ilícito de arrecadação de fundos para campanhas políticas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. "Esse é um novo Plano Cohen", disse o líder tucano.

O Plano Cohen foi um documento que revelava um suposto plano elaborado pela Internacional Comunista para a tomada do poder pelos comunistas brasileiros. Comprovou-se, mais tarde, que o documento foi forjado com a intenção de justificar a instauração da ditadura do Estado Novo.

Na avaliação de Virgílio, o ministro Antonio Palocci é o interlocutor possível do governo. "Com ele dá para conversar", afirmou, depois de elogiar as qualidades éticas do ministro. Mesmo disposto a um entendimento em torno de uma agenda mínima para o País, Virgílio avisou que o PSDB não aceitará qualquer tipo de acordo que implique paralisar ou abafar as investigações da CPI dos Correios. "As investigações terão que ir até o fim e não vamos passar a mão na cabeça de ninguém." Na opinião do líder do PSDB, o potencial da atual crise política não está esgotado. "Não sabemos ainda quando sairá a última denúncia", alertou.