Título: Florestas podem sumir em 50 anos
Autor: Evandro Fadel
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2005, Vida&, p. A15

Essa é a opinião do biólogo John Terborgh, da Duke University, que critica a falta de controle no desenvolvimento do País

Referência mundial quando se trata de conservação da biodiversidade, o biólogo John Terborgh, da Duke University, em Durham, na Carolina do Norte (EUA), faz uma previsão catastrófica: as florestas tropicais tendem a desaparecer em 50 anos caso não haja uma atitude mais decisiva por parte dos governos e da própria população. "É preciso aprender com a história", alerta ele. No intervalo de dois congressos de que participou no Brasil, ele percorreu com a mulher, Lisa Davenport, alguns ecossistemas, como o Pantanal, Amazônia, cerrado e mata atlântica. "O Brasil está crescendo rapidamente, mas sem controle e planejamento", critica. Confira os principais trechos da entrevista concedida em Curitiba, onde visitou a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.

Nesse mês de passeio, qual a impressão que o senhor teve da conservação ambiental no Brasil?

O Brasil está numa fase de expansão muito rápida e sem muito controle e planejamento. Isso é alarmante, porque, sem objetivos bem definidos, é difícil ter resultados positivos. Nos Estados Unidos, passamos por esse processo durante muitos anos. Foi mais de um século. As fronteiras vão avançando, consumindo a terra e todos os recursos naturais. Deixa atrás uma terra desgastada e muito pobre. A recuperação dura 100 anos ou mais. É uma grande perda para o país.

O Brasil está no mesmo caminho?

É a mesma história. Nos Estados Unidos foram 100 anos. Na Europa, 300, 400 anos. São séculos. Ali também havia uma fronteira que vinha consumindo os recursos primários da mesma maneira. Aqui está se repetindo a história. Não aprendemos muito.

Qual seria o remédio para dar um fim nisso?

Parar não é necessário, planificar sim. Não é necessário paralisar o desenvolvimento, não é factível, nem possível em termos políticos. Porém deixar esses processos avançarem sem muita preparação pode resultar em muitos danos. O Brasil precisa aprender e preparar-se para o futuro.

Os parques e unidades de conservação em florestas tropicais, que são objetos mais freqüentes dos estudos do senhor, ajudam de que forma?

São os únicos mecanismos que temos para conservar a biodiversidade. Não existem outros mecanismos. Algumas organizações propõem que no mínimo 10% do território de um bioma, como o cerrado, por exemplo, deve ser conservado. Porém esse é um número muito baixo e não vejo como suficiente.

Qual o porcentual razoável de conservação que o senhor propõe?

Eu estou propondo 50%.

Mas ainda é possível preservar 50%?

No cerrado não. É impossível. Mas com a Amazônia sim. Neste momento a perda é de 15% a 20%. A oportunidade ainda existe.

Qual é a tendência das florestas tropicais? Elas podem acabar?

Sim, sim. Temos observado que os recursos primários são livres, são gratuitos. Estão aí, é fácil de entrar e cortar.

Se não houver uma ação mais efetiva, qual é o prazo que o senhor prevê para que elas acabem?

Cinqüenta anos mais ou menos. No leste dos Estados Unidos, o processo de destruição dos bosques primários começou depois da Guerra Civil, em 1865. Até o começo da Primeira Guerra Mundial (1914) se perdeu 200 milhões de hectares de bosque primário. Em 50 anos, com uma população muito menor do que a que temos agora. E sem motosserras. Machados foram suficientes para desmatar quase um continente. É muito fácil esta história repetir-se. No oeste, a situação foi melhor porque as terras foram se incorporando à nação por compra. A colonização foi guiada pelo Estado num processo bastante ordenado. Temos que aprender algo da história, senão estamos perdidos.

Qual o desenho que o senhor tem para daqui a 50 anos?

Se o mundo não se empenhar numa luta de conservação, será um mundo em que eu não quero viver. Temos que direcionar todas as mentalidades para o aspecto ambiental. Temos 50 anos para fazê-lo e é preciso que façamos bem para a humanidade prosperar, porque se não o fizermos será um futuro bem triste, de conflitos entre grupos e países. Porque quando os recursos naturais terminam, isso gera conflitos entre países.

Como compatibilizar o desenvolvimento e a conservação na criação das unidades de conservação?

A história de áreas protegidas é igual em todo o mundo. No princípio, quando a área é escolhida e proposta como protegida, as pessoas que vivem ao redor começam a combater essa idéia porque sentem que suas possibilidades e oportunidades ficam limitadas. Mas as áreas protegidas não são apenas benefício para os que vivem naquele lugar, mas para o país inteiro ou o mundo inteiro. Por causa deste processo de reação ou oposição de pessoas da região tem-se freado a criação de muitíssimas áreas no nosso país. Isso é triste porque temos perdido oportunidades importantes. Mas depois de 50 anos o parque vai ter uma imagem muito melhor perante a população porque vai ser uma atração para o turismo, para a ciência. As atitudes mudam completamente. Há dificuldade para criar um parque novo, mas, uma vez criado, é um tesouro para a nação. Aqui no Brasil vemos o Pantanal, Chapada dos Guimarães, Chapada dos Veadeiros, Itatiaia. Há muitas pessoas visitando, brasileiros principalmente. Um parque novo abre oportunidades para construir hotéis, restaurantes, serviços e atrativos para turistas. Em outras palavras, negócios novos.

A conservação e os negócios novos podem conviver pacificamente?

Sim. Os negócios ocupam apenas pontos.

Qual a avaliação que o senhor faz do trabalho de organizações não-governamentais (ONGs) na defesa do meio ambiente?

É um fenômeno novo, especialmente na América Latina. No Peru, onde trabalhamos há muitos anos, em 1980 havia uma só ONG e uma única pessoa. Dez anos depois tinha 70 ONGs promovendo a conservação da biodiversidade. Agora não sei quantas. O crescimento de ONGs foi fabuloso nestas últimas décadas. Não tenho dados do Brasil, mas creio que seja igual, e a cada ano cresce mais. Algumas muito grandes, com um milhão de membros. E os políticos escutam quando tem um milhão de pessoas com idéias bem concretas. Mas os governos também podem ignorá-las como acontece agora nos Estados Unidos, onde temos um governo que é contra a conservação.

Nesse sentido, como o senhor, que tem viajado bastante, analisa o apoio de governos a práticas conservacionistas?

É um tema muito interessante. Em muitos casos temos governos distintos. Um faz uma coisa e o seguinte faz o oposto. Ele quer acabar com tudo o que o anterior, que é oponente, fez. Em razão disso, é difícil haver um programa direto e contínuo.

Por que não estabelecer um programa mundial?

Esse é um sonho. Mas o mundo está cada vez menor e os problemas que temos nós é que precisamos enfrentar. Como os problemas de mudanças climáticas, diminuição da pesca nos oceanos, camada de ozônio, carbono. As únicas soluções que podem funcionar são as soluções globais. Um país atuando sozinho não pode ter nenhum efeito sobre o problema geral. Tem que haver um acordo internacional e o mundo trabalhando junto.