Título: 'Segurança no transporte não basta'
Autor: Eric Lipton
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2005, Internacional, p. A10

Especialistas afirmam que, para combater efetivamente o terror, EUA têm de reconstruir sua deficiente rede de inteligência

Há mais de um século, dragões alados com um escudo ao centro vigiam cada entrada de Londres. Nas últimas décadas, este brasão foi reforçado por um elaborado aparato conhecido como "anel de aço", formado por barreiras de concreto, postos de checagem e milhares de câmeras de vídeo. Os planejadores de Londres chamam o sistema, montado para proteger a cidade de atentados do Exército Republicano Irlandês (IRA), de "urbanismo de fortaleza". Talvez nenhuma cidade do mundo ocidental seja melhor equipada para evitar atentados a bomba. Mas as duas ondas de atentados de julho demonstraram que, em Londres, o "urbanismo de fortaleza" está longe de ser inexpugnável.

Terroristas determinados ainda podem encontrar meios para atacar quase à vontade, mesmo que seus planos, como ocorreu no dia 21 em Londres, nem sempre tenham sucesso. Essa realidade, dizem especialistas, precisa ser considerada quando funcionários de Nova York reforçam a segurança com checagens aleatórias de sacolas em entradas de estações de metrô e trem, além de ônibus e balsas. Um anel de aço, dizem eles, é caro e pode não ser um bom investimento de recursos escassos.

Mesmo assim, as revistas aleatórias de sacolas podem ser apenas o começo. Alguns funcionários governamentais em Washington e Nova York querem gastar bilhões de dólares em sistemas de segurança como câmeras de televisão em circuito fechado em estações de metrô, dispositivos de rastreamento em ônibus e monitores eletrônicos que poderiam detectar qualquer entrada não autorizada em túneis.

Os pedidos de que uma parte dos dólares da Segurança Interna dos EUA seja redirecionada para "endurecer" os sistemas de transporte coletivo não chegam a causar surpresa. Na verdade, para os políticos de centros urbanos, trata-se de um refrão quase irresistível. O argumento também é convincente. No país todo, ônibus e trens do metrô e das ferrovias levam 32 milhões de passageiros durante um dia útil, enquanto cerca de 1,7 milhão de pessoas viajam de avião a cada dia. Mas os fundos federais dedicados especificamente à proteção do transporte de massa em superfície - US$ 250 milhões ao longo dos últimos quatro anos - não passam de uma fração do que foi gasto com segurança na aviação, US$ 18 bilhões.

No entanto, segundo especialistas em segurança, se os EUA querem travar uma guerra efetiva contra o terrorismo, o governo precisa ser menos guiado pela reação, adotando uma abordagem mais disciplinada e racional. Isto significa concentrar-se, primeiro, na reconstrução da deficiente rede de inteligência, fora e dentro dos EUA, afirmou James Jay Carafano, especialista em segurança nacional da Heritage Foundation, organização de pesquisa conservadora de Washington.

Depois vem a redução das conseqüências de qualquer ataque bem-sucedido, garantindo, por exemplo, que o pessoal de resgate tenha o equipamento e o treinamento necessários e que os hospitais locais possam lidar com grandes números de vítimas. "Apenas em terceiro lugar na lista de prioridades", disse o especialista, "deveria vir a construção de barreiras", sejam vasos de concreto ou fileiras de policiais revistando mochilas.

"Entendo o que eles estão fazendo hoje no metrô de Nova York", disse Randall J. Larsen, coronel da reserva da Força Aérea e consultor de segurança. "Mas eles estarão fazendo isso daqui a um ano? Porque a ameaça continuará existindo."

Apenas quatro anos depois do início de sua nova campanha antiterrorismo, os EUA já estão repletos de exemplos de esforços bem-intencionados, mas marginalmente eficazes, de criar barreiras. Em 2004, o Departamento de Segurança Interna lançou a Iniciativa de Controle de Fronteira do Arizona para patrulhar a fronteira com o México, por onde terroristas podem entrar nos EUA, segundo funcionários. Mas as aeronaves não-tripuladas e os helicópteros, câmeras e guardas de fronteira adicionais não impediram que inúmeros trabalhadores migrantes - e quem mais fosse - cruzassem o deserto.

Nos portos da nação, centenas de milhões de dólares são gastos com detectores de radiação e outros equipamentos para procurar armas contrabandeadas. Mas especialistas em segurança vivem repetindo ao Congresso que qualquer terrorista minimamente esperto simplesmente fretaria um barco e transportaria uma arma nuclear até um dos milhares de pontos de desembarque da costa americana, vigiado apenas por gaivotas.

"Não deveríamos concentrar nossos esforços na prevenção de um ataque dez metros ou dez minutos antes de ele acontecer", disse Larsen.

A Associação de Transporte Público dos EUA pede US$ 6 bilhões em fundos federais ao longo dos próximos três anos para a segurança do transporte de massa. Mas o secretário de Segurança, Michael Chertoff, defende a preferência dada à segurança na aviação. "Um avião comercial lotado e carregado de combustível tem capacidade de matar 3 mil pessoas", afirma. "Uma bomba num trem do metrô pode matar 30."

É preciso dar ênfase, disse Chertoff, à tentativa de evitar ou responder aos ataques mais catastróficos, envolvendo armas nucleares ou biológicas, por exemplo. "Precisamos ser francos com as pessoas quanto ao limite de nosso sistema de segurança", afirmou o secretário em entrevista no início de julho.

O Congresso provavelmente aumentará os gastos com medidas antiterrorismo no transporte coletivo antes de fechar o orçamento da Segurança Interna neste ano, embora ainda não esteja claro o tamanho do aumento. E Nova York - que dobrou o número de policiais patrulhando o metrô depois da primeira série de atentados em Londres, a um custo de cerca de US$ 1,9 milhão por semana em horas extras - continuará a revistar as sacolas dos passageiros por tempo indeterminado. Mas permanecerá a questão, como acontece em Londres, de quanta segurança extra esses dólares investidos na criação de uma fortaleza urbana poderão comprar.