Título: Stress político abala os mercados
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2005, Economia & Negócios, p. B1

A possibilidade de novas denúncias no front político no fim de semana abalou ontem o mercado financeiro, até então pouco influenciado pela crise. Para completar o cenário negativo, o banco de investimentos Merrill Lynch reduziu a recomendação de compra de papéis de títulos da dívida brasileira (ver página 3 ) e azedou ainda mais o humor dos investidores, que decidiram adotar uma postura mais defensiva em suas aplicações. O dólar comercial foi um dos mais atingidos pelo nervosismo do mercado e fechou cotado em R$ 2,398, com alta de 1,74%. Em julho, a moeda americana acumula valorização de 2,74%, mas o balanço do ano ainda é de queda de 9,65% ante o real. O risco país, que reflete a confiança dos investidores no Brasil, subiu 2,97%, para 416 pontos.

Os títulos da dívida brasileira também acompanharam o clima de aversão a risco e recuaram. O Global 40 fechou em queda de 0,21% em 116,75% do valor de face. Já o A-Bond, que substituirá o C-Bond, abriu em 102,00% do valor de face e terminou o dia em 100,75%, com recuo de 0,74%. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) não ficou imune e despencou 1,75% para 25.391,2 pontos.

"Mesmo sem fato novo, dá para perceber que o investidor, daqui e do exterior, está mais cauteloso com o mercado doméstico", afirma o estrategista do BankBoston Odair Abate. Mas esse comportamento, ressalta, está associado ao ambiente político, não a indicadores macroeconômicos. "Não há nada que conteste os fundamentos da economia", diz ele. Um exemplo foi a divulgação do IPCA-15 de julho, que ficou em 0,11%, ante 0,12% em junho.

Mas o que mais preocupa os investidores é a contaminação dos indicadores econômicos, até agora preservados. Para o mercado, isso aconteceria se a crise atingisse o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e Lula. A economista da Mellon Global Investments Solange Srour Chachamovitz afirma que essas preocupações estão aumentando: "O cenário de que tudo pode acabar em pizza foi diluído durante a semana."

Com os boatos de que as revistas semanais trariam novas denúncias, os investidores preferiram se desfazer de posições mais agressivas e esperar o fim de semana. "Ninguém quer passar o fim de semana desprotegido", resumiu um operador.

Mas o economista da Sul América Investimentos Newton Rosa acredita que esse comportamento não se sustenta, especialmente se não houver novas denúncias.

Rosa reconhece, entretanto, que a postura dos investidores estrangeiros já não é mais a de antes, de tranqüilidade. A crise doméstica já começa a despertar alguma desconfiança nos investidores, afirma. Antes de a Merrill Lynch ter rebaixado os títulos da dívida brasileira, o ABN Amro, Goldman Sachs e o HSBC já haviam alertado seus clientes nesta semana sobre o agravamento do risco político no Brasil.