Título: 'Está para nascer alguém que venha querer discutir ética comigo'
Autor: Wilson Tosta e Felipe Werneck
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2005, Nacional, p. A12

Muito emocionado e em tom exaltado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu ontem o discurso do PT para enfrentar a crise política e acusou "a elite brasileira" de querer atingi-lo com as denúncias de corrupção que se acumulam contra membros de seu governo. Depois de enumerar realizações de sua gestão a platéia de petroleiros, Lula disse que "está para nascer" quem possa discutir ética com ele e avisou: não vai "baixar a cabeça" devido aos ataques. Nos últimos dias, multiplicaram-se críticas da oposição acusando o presidente de envolvimento nas irregularidades comandadas pelo tesoureiro licenciado do partido, Delúbio Soares. "Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade", afirmou Lula, sob aplausos dos presentes à posse do novo presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli.

"Neste país, está para nascer alguém que venha querer discutir ética comigo. Porque digo sempre o seguinte: sou filho de pai e mãe analfabetos, minha mãe não era capaz de fazer o 'o' com um copo. E o único legado que deixaram, não apenas para mim, para a família, era que andar de cabeça erguida é a coisa mais importante que pode acontecer com um homem e uma mulher. Portanto, meus companheiros, conquistei o direito de andar de cabeça erguida com muito sacrifício e não vai ser a elite brasileira que vai fazer eu abaixar a minha cabeça. "

O pronunciamento encerrou solenidade marcada em vários momentos pelo tom de comício, realizada na Refinaria Duque de Caxias, iniciada com pronunciamento do presidente do Sindicato dos Petroleiros da Reduc, Simão Zanardi. O sindicalista leu uma moção de "solidariedade ao governo Lula", repudiando "qualquer atitude golpista daqueles que são contrários à construção de um governo que fortaleça a classe trabalhadora e o povo brasileiro". Lula, último a falar, discursou em tom parecido. Sem citar diretamente a oposição, reclamou que o presidente da República pode ser processado por qualquer cidadão, diferentemente dos deputados e senadores, e acusou oposicionistas de "irresponsabilidade" por suas críticas. "Então, fico vendo as pessoas falarem e penso: mas não é possível que haja gente que tenha tanta irresponsabilidade com o País", afirmou. Lula também acusou a oposição, sem citá-la, de "torcer para as coisas não darem certo". "As pessoas ficam tentando esperar uma grande desgraça, para que as pessoas que entraram não darem certo." Segundo ele, seu governo "incomoda" porque, ao contrário do que diziam seus adversários, não fracassou.

"Quero dizer a vocês, companheiros, com muita sobriedade, que tenho a exata noção do que está acontecendo no Brasil neste instante", disse ele. E também insistiu que que em 30 meses de governo a Polícia Federal, prendeu mais corruptos que "nos 20 anos dos governos anteriores". Do lado de fora da Reduc, cerca de 40 manifestantes protestaram.

INAUGURAÇÃO

Mais cedo, na inauguração do Complexo Tecnológico de Medicamentos da Fiocruz, em Jacarepaguá, Lula afirmou que "sempre" foi defensor de CPIs e avaliou que, "se o Brasil está andando assim, é justo que haja um pouco de pressão política".

Apesar de o governo ter, inicialmente, tentado impedir a CPI dos Correios, Lula afirmou: "Tenho dito repetidas vezes que sempre fui defensor, gritei tantas vezes favoravelmente à criação de CPIs neste país que não posso ser contra nenhuma CPI. As pessoas que cometerem erros terão que ser punidas, este país tem leis e instituições." Mas ressalvou que não se pode "perder de vista que o embate político, por mais necessário que seja, não pode permitir que o povo brasileiro seja vítima muitas vezes da pequenez política, que nem sempre conduz esse povo a um futuro melhor".

SAÚDE

No ano passado, o governo comprou do laboratório GlaxoSmithKline a fábrica em Jacarepaguá, onde foram investidos R$ 30 milhões para inaugurar o CTM. "O governo adquiriu a fábrica da iniciativa privada para evitar que ela fosse desativada. O novo parque industrial vai quintuplicar a produção de medicamentos do governo", afirmou Lula, referindo-se ao total produzido na antiga fábrica de Farmanguinhos, no ano passado. "Um país não pode tratar a saúde do seu povo com base no mercantilismo a que muitos laboratórios querem que seja subordinada a saúde pública."