Título: Dinheiro de Valério foi até para ONGs e associações de magistrados
Autor: Ana Paula Scinocca e Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/2005, Nacional, p. A4

Documentos revelam que contas de agências do publicitário mineiro abasteciam muito mais que políticos e partidos

A quebra do sigilo bancário das contas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza revela que a distribuição de dinheiro de origem duvidosa pode extrapolar o círculo palaciano e do Congresso. O novo lote de documentos do Banco do Brasil que chegou à CPI dos Correios registra a transferência de pelo menos R$ 802 mil a quatro entidades de classe e representativas, como a Frente Nacional de Prefeitos, a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e duas outras ligadas ao Judiciário - o Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (Imag-DF) e a Associação dos Juízes Federais da 1.ª Região (Ajufer), também de Brasília. No caso do Imag-DF, que organiza pesquisas sobre assuntos jurídicos, a DNA repassou R$ 170,96 mil. O responsável pela entidade à época - cujo nome aparece na movimentação bancária - era o desembargador Valter Ferreira Xavier Filho, afastado em 2004 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal por violação da Lei Orgânica da Magistratura. Acusado de venda de sentenças, ele pediu desligamento da corte antes da conclusão do processo disciplinar.

O valor transferido para a segunda entidade do Judiciário, a Ajufer, é de R$ 70 mil. A CPI não dispõe de maiores informações sobre a finalidade dos pagamentos, mas os parlamentares suspeitam que, assim como no caso do dinheiro repassado a políticos, a "benevolência" com entidades da magistratura e que nada têm a ver com o mundo da publicidade oculte um possível esquema de propina no Judiciário. O normal seria essas entidades pagarem a DNA por algum serviço de publicidade, não o contrário.

A CPI vai cruzar esses pagamentos com as notas fiscais apreendidas na DNA e na SMPB. Essas entidades sem fins lucrativos podem ter servido de intermediárias para grandes empresas.

"A investigação tem de ser ampla e a OAB lamenta que haja ligação com o único poder que estava afastado dessa podridão que envolve o Executivo e o Legislativo", disse o presidente nacional da OAB, Roberto Busato.

Também beneficiária do dinheiro da agência, a Frente Nacional de Prefeitos recebeu R$ 90,55 mil em 7 de janeiro deste ano. Na época, realizou um megaevento em Brasília que reuniu os prefeitos recém-eleitos das capitais. O presidente da entidade é o petista João Paulo, prefeito de Recife (PE). Mas quem aparece como receptor da verba é o tucano Luiz Paulo Veloso Lucas, ex-prefeito de Vitória (ES).

"Assumi a presidência da Frente Nacional de Prefeitos entre o final de fevereiro e início de março deste ano", disse João Paulo, acrescentando que o presidente da entidade é "figura simbólica" e que ele não tem conhecimento da natureza da doação.

Uma das maiores transferências de recursos foi feita para a Abong, em nome de um dos seus diretores, Jorge Eduardo Saavedra Durão. Ele recebeu R$ 500 mil.

Durão é diretor-executivo da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), ONG que trabalha com organização popular em seis Estados. Seu site sugere ligações com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outros movimentos sociais ligados ao PT.

Airton Faleiro, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) do Pará e do Amapá, afirma, no site, que "a Fase sempre esteve com a Fetagri e a CUT".