Título: Prêmio de R$ 200 milhões devido à Previ não entrou em seu caixa
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/2005, Nacional, p. A10

Fundo de pensão não teve contrapartida de garantia oferecida ao Citibank, de comprar ações por quase o quádruplo de seu preço

A Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, ofereceu ao Citibank uma garantia de compra de ações na Brasil Telecom e na Telemar por mais do triplo do seu preço de mercado, sem exigir contrapartida. Chamada de put, a garantia tem o valor de R$ 1,057 bilhão. Numa negociação normal de mercado, o ofertante de uma garantia dessas cobraria um prêmio da ordem de 20%, ou cerca de R$ 200 milhões. Esse dinheiro não entrou na contabilidade da Previ. O negócio, fechado sigilosamente pelo presidente da Previ, Sérgio Rosa, não passou pelos conselhos deliberativo e fiscal do fundo, que, assim como a direção do BB, até hoje não tiveram a oportunidade de ver nenhum documento a respeito. Pelo acordo, firmado em dezembro, a Previ se compromete a comprar, em 2007, por R$ 90 cada lote de mil ações da Brasil Telecom, que ontem fechou em R$ 24,87. O Citibank tem cerca de 10% da operadora, assim como a Previ.

O negócio foi o desfecho de longa queda-de-braço entre Sérgio Rosa e Daniel Dantas, o dono do Banco Opportunity, que controlava a Brasil Telecom. A disputa colocou, de um lado, o então chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, que indicou Rosa para o cargo; de outro, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. E contou com a intervenção de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT, e o onipresente empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.

PARADOXO

Já em meados de 2003 aflorava um aparente paradoxo na Previ. Participante do bloco controlador da Telemar e acionista da Brasil Telecom, o fundo tratava a primeira condignamente, enquanto trabalhava sem cessar contra os interesses da segunda. Isso apesar de a Brasil Telecom remunerar melhor o investimento da Previ.

Dizia-se que Gushiken tinha orientado Rosa a não contemporizar com Dantas. Foi nesse clima que Delúbio intercedeu em favor do banqueiro, pedindo a integrantes do Conselho Deliberativo da Previ que fossem ouvir o que o empresário tinha a dizer. Os conselheiros foram levados até Dantas por Marcos Valério, cuja agência de publicidade SMPB tinha a conta da Telemig Celular, por sua vez controlada pela Previ.

Dantas falou por três horas seguidas. Ele se sentia injustiçado. Contou que havia ajudado os candidatos que Sérgio Rosa, o presidente da Previ, mandara ajudar. Assim, não entendia por que a Previ brigava com ele. Na época ele estava em pé de guerra com a Italia Telecom e com os investidores canadenses do grupo TIW, sem falar na concorrente Telemar. Não precisava de inimigos. "Quero paz", disse Dantas. "Deixem a gente brigar e não se metam."

Marcos Valério conseguiu que Dantas fosse recebido também por Dirceu. Enquanto conversavam, entrou na sala o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakai. Amigo e advogado de Dirceu, Kakai defenderia Dantas no caso da espionagem da Italia Telecom, de Gushiken e do ex-presidente do BB, Cássio Casseb, revelada só em 2004.

Dirceu informou a Dantas que a paz por ele pretendida era possível, mediante duas condições: que ele não prejudicasse a participação dos fundos de pensão na sociedade e que parasse de grampear seus rivais.

Além dos problemas com a Previ, Dantas também enfrentava dificuldades com a Anatel, agência que regula o setor. Pelas suas normas, um grupo não pode estar no bloco controlador de duas operadoras de telefonia. A Previ está nos conselhos da Telemar e da Brasil Telecom, em telefonia fixa; e da Brasil Telecom, Telemig Celular, Amazônia Celular e Oi (da Telemar), em telefonia móvel.

Os recursos impetrados por Dantas pedindo que a agência obrigasse a Previ a escolher eram sistematicamente engavetados. Em julho de 2004, Dantas pediu ajuda de seus sócios do Citibank. Mary Lynn Putney, diretora de investimentos do Citigroup, veio conversar com Palocci. Queixou-se de que a interferência do governo estava prejudicando os investimentos do banco e pediu que se deixasse a roda dos negócios girar.

O então presidente da Anatel, Pedro Ziller, proveniente do sindicato dos telefônicos, batia continência para Gushiken, ex-dirigente do sindicato dos bancários. Palocci e Gushiken tiveram mais de uma conversa sobre o assunto. O ministro da Fazenda não manifestou preferência por Telemar ou Brasil Telecom. Mas queria que a decisão da Previ fizesse sentido em termos de negócios.

Gushiken cedeu em parte, destilando sua relutância na decisão da Anatel. Embora as normas da agência obriguem o investidor a deixar o controle das duas até se decidir por uma delas, a Anatel, condescendente, deu 18 meses para a Previ se decidir, continuando nas duas, nesse ínterim. O prazo expira em março do ano que vem.

Sérgio Rosa contava com a ajuda da Angra Partners, uma nova empresa de consultoria que tem entre seus sócios dois ex-executivos do Citigroup: Ricardo Knoepfelmacher e Pedro Paulo de Campos.