Título: País poderia iniciar hoje produção de 3 anti-retrovirais, diz governo
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/2005, Vida& Saúde, p. A18

Para coordenador do programa brasileiro, dependência das multinacionais pode deixar situação insustentável

O coordenador do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, Pedro Chequer, afirmou ontem que o País tem capacidade tecnológica para iniciar, de imediato, a produção de três anti-retrovirais protegidos por patentes que integram o coquetel distribuído gratuitamente pelo governo. Com isso, disse, será possível economizar US$ 600 milhões em cinco anos - recursos que, de acordo com o epidemiologista, poderiam ser redirecionados para fortalecer o frágil setor nacional de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para soropositivos. "A cada dia o País se torna mais dependente dos laboratórios internacionais. Estamos perdendo a nossa capacidade de negociação. A situação pode ficar insustentável, pois, a cada dia, surgem drogas novas e mais caras", avaliou Chequer, durante a 3.ª Conferência sobre Patogênese e Tratamento de HIV/Aids, promovida pela Sociedade Internacional de Aids. No final da década de 1990, informou, 55% do orçamento do programa era gasto com a importação de medicamentos, proporção que, atualmente, está em 80%. Dos 600 mil brasileiros infectados com HIV, 160 mil recebem o coquetel. Para isso, o governo gastou, no ano passado, US$ 260 milhões.

Responsáveis por 65% dos custos do programa de distribuição gratuita do coquetel, a produção nacional de efavirenz, tenofovir e lopinavir-ritonavir (Kaletra) pode ocorrer por meio de licença voluntária ou compulsória. Chequer não adiantou se o governo brasileiro vai, finalmente, cumprir a ensaiada quebra de patente, limitando-se a informar que será uma decisão baseada nos acordos nacionais e internacionais de comércio. "Não descartamos nada. Mas tudo vai ser feito segundo as leis", declarou, chamando a atenção para o fato de que a decisão vai influenciar outros países em desenvolvimento.

Produzido pelo laboratório Abbott, o Kaletra permanece alvo de um impasse entre o governo brasileiro e a indústria, já que o novo ministro da Saúde, Saraiva Felipe, decidiu rever a proposta da multinacional aceita pelo antecessor, Humberto Costa. "A oferta deles não responde aos interesses nacionais", disse Chequer, ressaltando que um acordo aceitável para o Brasil tem de conter uma redução efetiva de preços e uma transferência de tecnologia imediata. "Eles querem repassar a tecnologia em 2009, quando a patente do Kaletra já vai estar perto de expirar. Isso não é sério", criticou, emendando que o País tem capacidade para produzir a cápsula do Kaletra a US$ 0,40, cerca de metade do preço ofertado pela Abbott. O ministério também está em negociação para redução de preços com os laboratórios Gilead (tenofovir) e Merck (efavirenz).

Ainda que a produção nacional dos três anti-retrovirais seja iniciada imediatamente, isso não significa que o medicamento vai chegar já no ano que vem às mãos do paciente nem que seremos totalmente independentes em relação ao mercado externo. No primeiro caso, por causa dos testes de qualidade e bioequivalência necessários para avaliar o produto nacional, que levam tempo. Outro problema é o fato de importarmos toda a matéria-prima usada nos anti-retrovirais já fabricados no País, uma dificuldade que, disse Chequer, poderia ser solucionada incentivando parcerias entre laboratórios públicos e iniciativa privada.

Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Celso Ramos concorda com Chequer sobre a urgência em produzir novas drogas no País. Mas admite dificuldades. "O paciente tem de ter acesso a novas drogas e novos tratamentos, senão há o risco de comprometimento do programa. Mas podemos ter algumas dificuldades (de produção nacional), como no caso da combinação (do lopinavir/ritonavir)", alertou, acrescentando que estudos em São Paulo já comprovaram que infectados apresentam resistência às drogas atuais.