Título: Corrupção pública traz à tona debate sobre ética nos negócios
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2005, Economia & Negócios, p. B16

Os atuais acontecimentos no cenário político brasileiro reacendem discussões sobre até que ponto as empresas podem se envolver no financiamento de campanhas eleitorais sem alimentar esquemas de corrupção como o mensalão e a troca de favores. A falta de transparência e ética nesses processos expõe as empresas quanto à maturidade de suas políticas de responsabilidade social e as coloca em contradição: como investem em ações sociais se são coniventes com práticas corruptas? Embora no Brasil o financiamento de campanhas políticas seja lícito - as empresas podem doar até 2% de seus rendimentos brutos no ano anterior à eleição para candidatos ou partidos - na prática, as maiores contribuições são feitas via caixa 2 e não declaradas à Receita Federal. Estima-se que apenas de 5% a 10% das doações sejam declaradas.

Para o presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, isso acontece porque as empresas não querem se expor e buscam, com esses mecanismos, advogar por interesses próprios que nem sempre seriam considerados aceitáveis pela sociedade. "Muitas empresas não querem aparecer na lista dos financiadores de campanhas porque temem retaliações e querem ser favorecidas quando o candidato for eleito", diz Grajew. Em muitos casos, acionistas não concordariam com o financiamento, então a empresa faz a doação na surdina.

"Todos os grandes escândalos da política brasileira têm na base o financiamento privado de campanhas, e isso continuará se não for feita uma reforma política séria", afirma. Uma das soluções seria a proposta de financiamento público das campanhas eleitorais. O projeto de lei 2.679/03, que tramita no Congresso Nacional, propõe que os recursos sejam provenientes do Orçamento Geral da União e proíbe doações de pessoas físicas e jurídicas. "Sem eliminar o financiamento privado de campanhas políticas, estaremos brincando de combater a corrupção", afirma Grajew. Segundo o presidente do Instituto Ethos, que já foi assessor do presidente Lula, o 'caixa 2' financia o crime organizado, superfaturamentos em licitações públicas e outras relações ilícitas.

A questão passa pela pouca maturidade das empresas brasileiras em adotar princípios da transparência e da governança corporativa. O Conselho de Administração, que deveria ser responsável por estratégias de longo prazo da empresa, muitas vezes perde poder de decisão para a figura do presidente. "Falta transparência nas decisões e regras claras das empresas quanto aos seus princípios e valores", analisa Roberto Gonzalez, diretor de estratégia social do CorpGroup e assessor da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec).

Especialista em sustentabilidade e governança corporativa, Gonzalez afirma que não é condenável o financiamento de campanhas eleitorais, prática comum na maioria dos países em que a democracia está consolidada. "Se a posição da empresa for apoiar determinado partido ou candidato, acionistas e sociedade devem saber."

A bandeira da transparência também vem sendo levantada pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que propõe uma emenda no PL 2.679/03 que obriga que os partidos políticos a prestarem contas e terem um contabilista responsável pelas informações declaradas. A emenda também obrigaria partidos a publicarem balanços em jornais de grande circulação e serem auditados por empresas externas. "O financiamento ilícito traz ônus para o País inteiro. As bolsas caem, os investimentos somem, toda a economia fica prejudicada", afirma o presidente do CFC, José Martonio Alves Coelho. "Temos de achar meios técnicos de inibir a circulação criminosa dos recursos."