Título: Uma reforma polêmica
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2005, Notas e Informações, p. A3

Diplomatas do G-4 e da União Africana, reunidos em Londres, chegaram finalmente a um acordo para unificar suas propostas de reforma do Conselho de Segurança da ONU. O projeto do G-4, o primeiro a ser apresentado à Assembléia Geral, previa a criação de seis cadeiras permanentes no Conselho de Segurança ¿ a serem ocupadas pela Alemanha, Brasil, Japão e Índia, mais dois países africanos ¿, sem direito a veto nos primeiros 15 anos, e de quatro vagas não-permanentes. A proposta africana, além dos seis novos membros permanentes com direito a veto, previa a criação de cinco vagas não-permanentes, sendo duas delas destinadas a países do continente. Numa solução de compromisso, os africanos abriram mão do direito a veto e o G-4 aceitou a criação de uma quinta cadeira não-permanente, que seria ocupada alternadamente, a cada dois anos, por representantes da África, Ásia e América Latina.

Essa fórmula, no entanto, ainda depende da aprovação dos governos dos 53 países representados na União Africana. Se a aprovação vier nas próximas horas, o G-4 pretende colocar o projeto de resolução em votação na Assembléia Geral amanhã, pois estima que esta é uma oportunidade única para desencadear, com sucesso, o processo de aprovação da reforma do Conselho de Segurança. De resto, agindo com rapidez, o G-4 pretende pôr-se em consonância com o cronograma sugerido pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que pretende ver a reforma concluída até setembro.

A unificação das propostas, que deixa à Assembléia Geral o exame de um só projeto, foi parte da estratégia do G-4 para desembaralhar o processo de reforma do Conselho, expediente afinal frustrado pelo grupo Unidos para o Consenso. Quando ficou claro que o G-4 e a União Africana chegariam a um acordo, o grupo ¿ constituído pela Argentina, Colômbia, México, Costa Rica, Espanha, Canadá, Coréia do Sul, Itália, Paquistão, São Marino, Turquia e Malta ¿ apresentou um projeto que cria dez vagas não-permanentes no Conselho.

A alguns países, por razões de rivalidades regionais, não interessa que a Alemanha, o Brasil, o Japão e a Índia sejam membros permanentes do Conselho de Segurança. O chanceler argentino Rafael Bielsa, por exemplo, afirma diplomaticamente que ¿o precário equilíbrio na área não se consolida com o Brasil de forma permanente no Conselho de Segurança¿. Outros países, além de levantarem objeções geopolíticas, consideram que, ao contrário de democratizar as decisões do principal órgão político da ONU, a ampliação do número de membros permanentes, mesmo sem direito a veto, criaria uma nova casta de países privilegiados, com poder para bloquear iniciativas que contrariassem seus interesses.

Já o governo dos Estados Unidos ¿ que apóia a candidatura do Japão a membro permanente ¿ pondera que a reforma do Conselho de Segurança não deve atropelar alguns aspectos importantes do projeto de reforma da ONU feito pelo chamado Comitê de Sábios e sobre os quais há amplo entendimento. ¿O Conselho de Segurança é, de fato, um dos organismos mais fortes da ONU e não é o que necessita com mais urgência de uma reforma¿, afirma o secretário de Estado adjunto de Relações Políticas, Nicholas Burns. Para Washington, a ampliação do Conselho só deveria ser tratada depois de concluídas as reformas do Secretariado da ONU, da Comissão de Missões de Paz, da Comissão de Direitos Humanos e da Convenção contra o Terrorismo.

Todas essas objeções e ressalvas, que refletem o caráter extremamente polêmico da reforma do Conselho de Segurança, fazem com que se veja com reservas o otimismo do G-4. Afinal, o projeto original patrocinado pelos quatro países contou com um total de apenas 34 adesões. Se todos os membros da União Africana aceitarem a fórmula de conciliação, a proposta unificada terá 82 votos garantidos. E, para ser aprovado, o projeto necessita de 128 votos, dois terços do total de membros da ONU.

As dificuldades não param aí. Vencida essa etapa, o Conselho de Segurança teria de aprovar a reforma dos estatutos da ONU. E os Estados Unidos e, principalmente, a China ¿ países com poder de veto ¿ já anteciparam suas posições. O primeiro não admite mais que dois novos membros permanentes; o segundo, nenhum.