Título: Chefe dos Correios revela mapa das fraudes para tentar se livrar
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2005, Nacional, p. A7

Marinho já esteve dez vezes com procuradores, que podem não denunciá-lo se revelações forem verdadeiras

Depois que prestou depoimento à CPI dos Correios, nos dias 21 e 22 de junho, o ex-chefe de departamento da estatal Maurício Marinho passou a colaborar com as investigações do Ministério Público Federal sobre corrupção na estatal e é provável que seja beneficiado ao final do inquérito. No último mês, Marinho, que foi flagrado ao receber propina de R$ 3 mil, esteve pelo menos dez vezes no MP em Brasília, onde fez detalhados relatos sobre fraudes em contratos e licitações. Na CPI, o ex-funcionário apontou 14 procedimentos dos Correios que deveriam ser investigados, mas não apresentou detalhes sobre as ilegalidades. Sugeriu ainda que fossem apuradas a influência do ex-ministro Luiz Gushiken nos contratos de marketing da estatal e a interferência do ex-dirigente do PT Silvio Pereira na nomeação de diretores da empresa. Aos procuradores Bruno Acioly e José Alfredo de Paula Marinho mostrou nos mínimos detalhes como funcionava o esquema de fraudes, favorecimento de empresas e tráfico de influência. Se as revelações de Marinho se confirmarem e se tornarem cruciais para a conclusão da investigação, o Ministério Público pode optar até por não denunciá-lo pelo crime de corrupção.

O benefício é possível através do recurso chamado delação premiada. Um dos advogados de Marinho, Ricardo Baitello, nega que tenha recorrido a tal artifício. "Ele está cooperando com o Ministério Público, mas não para entregar ninguém. Ele elucida questões dos contratos, explica como funcionam. Cooperação não é delação premiada. Mas claro que quem coopera pode ter um atenuante. Não depende de nós", disse Baitello.

Informações obtidas pelo Estado indicam, no entanto, que Marinho revelou mais do que o funcionamento em tese das concorrências. Como chefe do Departamento de Administração e Contratação dos Correios, passavam por Marinho alguns dos mais importantes contratos fechados entre a estatal e a iniciativa privada. Ele teria ajudado os procuradores a montar a teia das influências e dos favorecimentos, com os "feudos" de cada partido ou autoridade na empresa.

Na fita de vídeo em que foi flagrado, Marinho diz que o esquema de corrupção nos Correios tinha a participação do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Jefferson não só negou a acusação como, sentindo-se abandonado pelos aliados do governo, deu início a uma série de denúncias. As acusações levaram a dezenas de investigações em curso atualmente no Congresso e na Justiça e abriram a pior crise do governo Lula.

Baitello disse estar convencido de que seu cliente escapará da denúncia por corrupção não por causa da delação premiada, mas em razão do principal argumento da defesa: o fato de as provas serem ilícitas.

Marinho, sem saber, foi gravado no momento em que recebia a propina. O flagrante foi feito a mando do empresário Arthur Waschek, que se sentiu prejudicado por Marinho nas licitações da estatal. A defesa do ex-funcionário argumenta que a gravação, por não ter autorização judicial e ter sido feita sem conhecimento de Marinho, não é prova legal.

VALÉRIO

Maurício Marinho tem um compromisso com os procuradores de não tornar públicas suas denúncias. O Ministério Público Federal não se manifestou sobre a colaboração do ex-funcionário. Apenas confirmou que Marinho esteve diversas vezes na sede do MP para prestar depoimentos.

O artifício da delação premiada foi tentado pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, que se ofereceu a fazer revelações sobre o esquema de caixa 2 (dinheiro não declarado) do PT e de outros partidos.

O procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, negou-se, porém, a fazer acordo com o empresário.