Título: Pelo rádio, a oficial decidiu morte de Jean
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2005, Internacional, p. A14

Uma das policiais mais graduadas da Scotland Yard, a comandante Cressida Dick, de 44 anos, autorizou por rádio seus agentes a matar o brasileiro Jean Charles de Menezes, atingido por oito disparos, sete na cabeça e um no ombro, segundo reportagem do editor-chefe de polícia do jornal britânico Daily Mail, Stephen Wright. O diário dedicou ontem uma página ao assunto e relatou detalhes sobre o incidente. Fontes policiais ouvidas pelo jornal observaram, no entanto, que a decisão final de matar ou não um suspeito cabe aos policiais presentes no local da operação. Um porta-voz da Scotland Yard não quis comentar o tema. "Não vamos revelar nenhum detalhes desse caso nem comentar reportagens da imprensa", disse o porta-voz ao Estado.

Segundo The Guardian, ainda não está claro se Jean foi alertado verbalmente pelos policiais antes de ser morto. Mas o jornal afirma que a policia recebeu orientação de que não é necessário fazer qualquer interpelação verbal a um suspeito de ser homem-bomba, dentro da política de "atirar para matar" adotada pela Scotland Yard. O Daily Mail informou que os três policiais que atiraram contra Jean foram afastados de operações armadas enquanto são investigados por uma comissão independente. Dois deles estão em férias.

Segundo o Daily Mail, Cressida Dick, chamada de Cress pelos policiais, cursou a universidade de Oxford e tem um salário anual de 90 mil libras, cerca de R$ 480 mil. Ela estava no comando da operação armada que resultou na morte. Outros policiais envolvidos na operação pediram a aprovação dela para disparar contra Jean, após relatarem que o brasileiro - cuja identidade ainda era desconhecida - estava se comportando de modo muito suspeito após sair de um bloco de apartamentos que estava sendo vigiado pela Scotland Yard.

O jornal diz que policiais à paisana teriam ficado preocupados por Jean estar usando uma jaqueta pesada numa manhã de relativo calor, uma versão negada pela família dele. Temendo que o brasileiro fosse um homem-bomba, os policiais solicitaram a seus superiores orientação urgente quanto ao que fazer, enquanto seguiam Jean rumo à estação de metrô de Stockwell.

O pedido foi transmitido por rádio para a sede da Yard, onde Cress era a comandante - "gold command", no jargão policial - das operações armadas na sexta-feira. Ela imediatamente consultou assessores especializados em táticas armadas. Nesse ponto, afirma o jornal, ela decidiu adotar os procedimentos da Operação Kratos, um plano da Polícia Metropolitana de Londres para lidar com suspeitos de ser homens-bomba.

A Kratos determina que, se houver uma avaliação de que um suspeito possa representar perigo iminente, os policiais devem atirar em sua cabeça para garantir que ele morra imediatamente e seja incapaz de detonar um explosivo. Poucos momentos depois, Jean foi alvejado.

'PROTEGIDA'

Segundo o Daily Mail, Cress é considerada por muitos colegas uma protegida do chefe da Polícia Metropolitana, sir Ian Blair. Os colegas afirmam que ela está "em pedaços" e "devastada" com o que aconteceu. Ian Blair teria dado seu apoio total a ela, cujo papel no incidente será investigado por uma comissão independente.

"Todo mundo lamenta por Cress", disse ao jornal um colega graduado. "Ela é uma oficial da polícia que teve que tomar uma decisão urgente de vida e morte. Se ela não tivesse dado a autoridade para o homem ser alvejado, e ele tivesse explodido um trem, também teria ocorrido um protesto em larga escala."

O Daily Mail observa que a policial, que era cotada para ser promovida, tem agora um futuro incerto. Sua decisão de implementar a Operação Kratos será examinada detalhadamente pela Comissão Independente de Reclamações sobre a Polícia. Ela provavelmente também enfrentará um questionamento intenso na Justiça, caso a família de Jean decida processar a polícia em busca de compensação financeira.

Um dos pontos fundamentais em que se concentrará a investigação serão os erros de serviço de inteligência que levaram o brasileiro a ser equivocadamente considerado suspeito de ser terrorista.

Cressida Dick é um dos comandantes do departamento de crimes especializados da Polícia Metropolitana de Londres. Ela é responsável por cerca de 300 policiais da Operação Trident, um esquadrão que combate ao crime armado nas comunidades negras de Londres.

Uma fonte policial ouvida pelo jornal The Guardian afirmou não haver necessidade de que os policiais interpelem verbalmente um suspeito de ser um homem-bomba antes de alvejá-lo. "Se a equipe armada estiver razoavelmente certa de que a pessoa é um terrorista suicida não há necessidade de avisá-lo verbalmente", assinalou a fonte.

Ainda segundo o jornal, há um grande questionamento dentro da polícia londrina sobre a decisão de permitir que Jean pegasse um ônibus antes de ser alvo da ação policial. "Quando a verdade surgir será horrível", afirmou um policial graduado ao jornal.

Ian Blair informou que desde os ataques terroristas lançados no dia 7 em Londres já ocorreram 250 incidentes nos quais a polícia pensou que poderia estar diante de um homem-bomba. Segundo ele, em sete ocasiões a polícia esteve prestes a agir. Essa informação elevou o temor entre os imigrantes no país, principalmente os muçulmanos, de que novos erros policiais possam ocorrer.