Título: Planalto busca pacto para sair da crise
Autor: Vera Rosa e Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2005, Nacional, p. A5

BRASÍLIA - Foi um recado para a oposição o discurso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem em Canoas (RS). Ao bater na tecla de que a economia não pode ser contaminada pela crise política, Lula deu a senha para a formação de um pacto de governabilidade. Pode ter sucesso: a sensação disseminada de que as investigações estão fugindo ao controle, pois começam a abalar não só o PT como todos os partidos, tende a ajudar o Planalto. Na prática, a retórica oficial da "operação-abafa" defende a preservação da estabilidade econômica, sob o argumento de que a crise pode levar todas as conquistas por água abaixo. Ao alertar que a economia tem de ser tratada com cautela, porque ainda é "muito vulnerável", Lula também quis emitir outro sinal para os adversários: o de que não abrirá o cofre para conter a turbulência.

Mesmo assim, o presidente confia num acordo para retomar votações de temas considerados positivos - como a reforma tributária e o Estatuto da Micro e Pequena Empresa -, eliminando uma palavra que vinha freqüentando pronunciamentos da oposição: impeachment.

MESQUINHARIA

As negociações ganham corpo no Congresso, enquanto os ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Antonio Palocci (Fazenda) e Jaques Wagner (Relações Institucionais) promovem rodadas de conversas com dirigentes do PSDB e PFL. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, já foi consultado três vezes.

Apesar da fúria demonstrada no plenário contra Lula e o PT, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), é um dos que defendem o diálogo em torno de uma pauta legislativa. "Se não se articularem, é porque não querem pensar no País. Nós, da oposição, não vamos tratar o Brasil com mesquinharia", disse.

Virgílio passou os últimos dias recebendo telefonemas e visitas de banqueiros e investidores preocupados com a crise. "Tenho dito a todos eles que nossa opção não é o impeachment, que o presidente Lula tem base social", contou. "Nós queremos que o Brasil encontre uma pauta para fazer a transição até dezembro de 2006."

Após conversar com Fernando Henrique, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI) também pregou o acordo. "Estamos certos de que a conspiração é inoportuna e antidemocrática. Não vamos aprofundar a crise para antecipar o fim do mandato presidencial", disse.

O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirmou que o Planalto não quer desviar o foco das investigações. "Mas o Congresso e o Brasil todo não podem assistir apenas a um festival de acusações e investigações. A investigação faz parte da agenda política, mas quem é governo precisa pensar no País e no que as pessoas querem, como emprego e salário", comentou.

Nesse cenário, o espírito de sobrevivência dos políticos foi atiçado pela constatação de que há evidências do envolvimento de quase todos os partidos com o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, apontado como o operador do mensalão. A CPI dos Correios já comprovou, por exemplo, que Valério repassou, em Minas, dinheiro para as campanhas do presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, e dos deputados Roberto Brant (PFL) e Romeu Anízio (PP).

"Em momentos de crise política de grandes proporções como este é imprescindível definir uma agenda que assegure condições mínimas de governabilidade do País e segurança para a atividade econômica", cobrou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE).