Título: Evolução cambial determinará cenário da agricultura no Brasil
Autor: Fatima Cardoso e Gustavo Porto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2005, Economia & Negócios, p. B16

A evolução do câmbio nos próximos meses será determinante para o cenário da agricultura na safra atual. É o que pensam os principais especialistas no setor agrícola do País, que se reuniram esta semana em Ribeirão Preto (SP) em dois congressos, o da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (Sober) e a conferência internacional do Pensa/USP. As opiniões divergem sobre como será o tamanho da próxima safra e como a crise deste ano afetará o agronegócio do Brasil, mas em relação ao câmbio há consenso. O ministro da agricultura, Roberto Rodrigues, que participou da abertura dos debates, deu o tom das conversas sobre a tendência de curto prazo para o setor: "Estamos com um problema dramático em relação à questão cambial, que prejudica os preços agrícolas mais do que qualquer outro fator."

Para o presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Marcos Sawaya Jank, a grande volatilidade dos fundamentos macroeconômicos e a desvalorização do dólar são as maiores preocupações do agronegócio na safra 2005/2006, "pois de certa forma o setor encontrou maneiras de contornar os juros diretos, como, por exemplo, no comércio da soja verde". Na avaliação de Jank, há um "sinal trocado" entre a política monetária e a cambial, "porque a taxa de juros é tão alta que atrai capital externo e aprecia o câmbio". E esse cenário de instabilidade afasta investidores do agronegócio. "É uma questão importantíssima para a agricultura, que não é de política agrícola, mas sim macroeconômica", disse Jank.

O coordenador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, Geraldo SantAna de Camargo Barros, também destaca a importância do câmbio para o setor. Segundo ele, como a grande maioria dos produtos brasileiros tem preços atrelados ao dólar, pois estão inseridos no mercado mundial, o câmbio é o fator que pode elevar ou derrubar as cotações.

Foi o que ocorreu nos últimos meses, quando os preços agrícolas, pressionados pelo câmbio, ajudaram a derrubar a inflação.Geraldo Barros acredita, porém, que o cenário pode mudar nos próximos meses. Além da perspectiva da queda dos juros, há uma possibilidade de a crise política elevar as cotações.

O ex-ministro da Secretaria de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano da Silva, destacou que a crise atual da agricultura é resultado de "uma fase descendente de preços de commodities que, entre 1999 a 2003, subiram muito. Foi um ciclo atípico pelo número de anos positivos". Ele acredita em uma tendência de longo prazo de queda dos preços agrícolas, em virtude de ajustes nos preços do petróleo e de outras commodities, como o aço, e no fortalecimento do dólar. "Os preços estão voltando aos níveis históricos. Isso não tem nada a ver com condições políticas internas. A crise na agricultura vem desde 2004", disse .

Hélio Tolini, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), considera "um desastre" o câmbio no atual patamar, o que prejudica diretamente os produtores da cultura que ele representa. "O mercado externo do algodão não está ruim, mas quando transformado em real está péssimo", disse.

Apesar das críticas à política cambial, o ministro Roberto Rodrigues traçou um cenário um pouco mais otimista para este semestre, baseado na redução da taxa Selic e na recuperação do dólar. "Todos os horizontes indicam uma melhora (queda) das taxas de juros. Como há uma relação entre juros e dólar, eu imagino que (a moeda americana) possa ter uma valorização, ainda que pequena, neste ano", avaliou Rodrigues.

Outro fator preponderante para o cenário na próxima safra, na opinião de Marcos Jank, é o fato de o produtor brasileiro, em geral, ser muito especulador e não saber lidar com um setor que é "uma montanha-russa" e no qual não existe alta eterna. "O problema do endividamento decorre da baixa capacidade de os produtores se prepararem para os anos ruins, de fazer provisionamento e de serem muito conservadores nos seus investimentos", disse.

Em função dos problemas da última safra, o faturamento nominal do setor de grãos caiu R$ 13 bilhões na safra 2004/2005 em relação à safra anterior e cerca de 82% dessa redução deve-se à variação negativa dos preços das commodities, disse o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Ivan Wedekin. Já a quebra na safra foi responsável, de acordo com Wedekin, por 18% na redução do faturamento nominal agrícola, ou seja, sem que seja contabilizada a inflação no período.

Segundo Wedekin, o faturamento no setor de grãos em 2004/2005 foi de R$ 47 bilhões, queda de 21,6% ante os R$ 60 milhões recebidos na safra anterior. Já o custo de produção da safra foi de R$ 40 bilhões. "É como se subitamente o mercado puxasse o tapete do produtor rural", disse. Ele fez questão de lembrar, porém, que os problemas não atingem todos os setores do agronegócio. Os segmentos de cana, laranja e carnes, por exemplo, estão mais capitalizados.