Título: Comissão propõe descriminar aborto
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2005, Vida&, p. A18

A comissão criada pelo governo recomendou oficialmente a descriminação do aborto. Integrantes do grupo formado para discutir o assunto reuniram-se ontem e acertaram os últimos detalhes da proposta de um projeto de lei que será entregue hoje à secretária de Políticas para Mulheres, Nilcéa Freire. Não houve alterações significativas no texto que havia sido preparado no mês anterior. Ele prevê que o procedimento tem de estar disponível na rede pública e nos serviços prestados por planos de saúde. Pela proposta do projeto, permanece apenas uma punição para o aborto: quando for realizado contra a vontade da gestante. Nos demais casos, são estipulados prazos para que a interrupção voluntária da gravidez seja feita: 12 semanas para qualquer gestante e 20 quando a gravidez for fruto de violência sexual. Na hipótese de malformação do feto ou risco de vida para a gestante, o prazo será fixado pelo médico.

Representante na comissão da Febrasgo, que reúne as associações de ginecologia e obstetrícia, o médico Jorge Andalafti Neto diz que o prazo fixado pelo projeto levou em conta questões técnicas. E pode ser facilmente cumprido. "Nos casos em que envolve gestante menor, será preciso ter bastante agilidade." A norma prevê que nessa hipótese um representante do Ministério Público acompanhe o processo se houver discordância entre a posição da gestante e da família. Nesses casos, a decisão tem de ser tomada pelo MP num prazo de cinco dias. "Mas nunca o aborto será feito se a gestante não quiser."

O projeto apresenta as linhas gerais. A idéia é que, se aprovado no Congresso, o tema seja regulamentado pelo Ministério da Saúde. O ministro Saraiva Felipe disse que não porá empecilhos na aplicação da lei, mas não trabalhará por sua aprovação.

Ao fim do encontro, muitos da comissão choraram de alegria com a aprovação da proposta. Nilcéa fez um pronunciamento, dizendo que esta é um das políticas prioritárias definidas em conferência por grupos feministas. A ministra afirmou que apresentará a minuta para parlamentares e entidades. Depois, o projeto será entregue à deputada Jandira Feghali (PC do B) para que ela incorpore o texto em um relatório de sua autoria.

"A aprovação desse projeto não será fácil", prevê a deputada, com a experiência de quem há anos lida com o tema. Ela adiantou que poderá fazer algumas modificações no texto e incluir sugestões de seus projetos no relatório final, antes de ser apresentado à Comissão de Seguridade da Câmara. Entre elas, que o aborto tenha registro compulsório, o que é importante para fazer estatísticas sobre tal procedimento.

Indicada pelo Congresso para integrar a comissão tripartite, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), contrária ao aborto, recebeu com descaso o desfecho de ontem. "É um fim esperado desde a formação da comissão, pois quase todos os integrantes eram favoráveis à descriminação. Ele não representa a vontade da sociedade." Disse, ainda, que o resultado pouco vai importar. "Diferentemente do que ocorreu na comissão, no Congresso a situação será outra: há de fato uma divisão de forças e certamente o projeto não irá para a frente."

Já Jandira reconhece que, além da divisão de forças, outros fatores podem prejudicar o andamento da proposta. A principal é a crise política. Para ela, é preciso que movimentos sociais se esforcem para que o projeto seja apresentado ainda neste ano. "Se ficar para 2006, ano de eleições, as chances de aprovação serão ainda mais reduzidas."