Título: Dirceu define sua sorte hoje diante de Jefferson
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2005, Nacional, p. A6

Enfraquecido politicamente, abandonado por amigos e pelo Palácio do Planalto, que resolveram deixá-lo entregue ao seu próprio destino, o deputado José Dirceu depõe hoje no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados como testemunha no processo que examina se o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) quebrou ou não o decoro parlamentar ao denunciar a existência do mensalão. Mesmo como testemunha, Dirceu deverá responder a perguntas que vão emparedá-lo, prometem os integrantes dos partidos de oposição. "Tenho medo que saia até bala perdida do aparelho de televisão", diz o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), na tentativa de descrever o clima que vai prevalecer no depoimento. "Será um depoimento sem meios termos, pau ou pedra", afirma o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), relator do processo que resultou na cassação do mandato do ex-deputado André Luiz (PMDB-RJ), suspeito de ligação com o crime organizado.

MURMÚRIO DE RENÚNCIA

"Ou Dirceu tentará minimizar as acusações - o que será ruim para o PT - ou terá de responder de maneira firma às ilações que são feitas contra ele e agüentar as conseqüências."

O depoimento de Dirceu terá início às 15 horas e ocorrerá na sala da Comissão de Orçamento. Havia murmúrios de que ele poderia renunciar ao mandato, no caminho aberto pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto (SP), que ontem despediu-se da Câmara, depois de admitir em discurso que recebeu dinheiro do esquema de corrupção montado pelo PT.

Dirceu terá de responder se sabia desse esquema. Se ele quiser se livrar desta e de outras perguntas difíceis, a renúncia poderá tirá-lo do constrangimento de se ver entregue à própria sorte, num clima político totalmente desfavorável.

Nem o PT terá piedade de Dirceu. Dos três petistas do Conselho de Ética, apenas a deputada Angela Guadagnin (PT-SP) ainda é sua parceira. Os outros dois - Chico Alencar (RJ) e Orlando Fantazzini (SP) - são adversários de Dirceu e já sentiram na vida partidária o que significa discordar do outrora poderoso chefe petista.

Ambos foram suspensos das atividades do partido por orientação de Dirceu. Ainda na Casa Civil, ao criticar Chico Alencar e Fantazzini, Dirceu disse que eles não mereciam estar no PT. Chico respondeu com a mesma ênfase.

"Não haverá contemplação", resume o líder do PFL na Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ). "Dirceu terá de encontrar explicações para tudo o que pesa contra ele".

O PFL e o PSDB reuniram-se ontem à noite para definir sua estratégia de atuação. Os dois partidos concluíram que, com a renúncia de Costa Neto, as acusações contra José Dirceu saíram do plano meramente objetivo, sobre quantias de dinheiro. A partir de agora o julgamento, mais do que nunca, é político. E isso deve prevalecer no Conselho de Ética.

EXPECTATIVA

Existe a expectativa de que o deputado Roberto Jefferson apareça durante a sessão. Foi Jefferson quem, numa reunião do conselho, em junho, sugeriu a Dirceu que renunciasse. "José Dirceu, se você não sair, vai acabar prejudicando um inocente (o presidente Lula)", disse.

Foi o deputado do PTB quem revelou o esquema do caixa 2 do PT e citou pela primeira vez o nome do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza como o responsável pelo pagamento do mensalão. Se Roberto Jefferson aparecer, poderá ocorrer uma acareação antecipada entre ele e Dirceu, decisão que a CPI dos Correios já pensou em tomar.

Será a primeira vez que os dois vão se encontrar desde a denúncia do mensalão. No processo, Jefferson é réu. Mas, como deputado, poderá fazer perguntas ao ex-ministro.