Título: 'Sou um guerrilheiro e vou até o final', avisa deputado
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2005, Nacional, p. A7

O ex-chefe da Casa Civil José Dirceu disse a amigos, na tarde de ontem, que não vai renunciar ao mandato de deputado federal pelo PT, embora sua situação tenha ficado mais complicada. Dirceu sabe que seu destino político será selado hoje, após depor no Conselho de Ética da Câmara. Até agora, porém, tem ignorado os conselhos para seguir o caminho do deputado Valdemar Costa Neto, presidente do PL, abrindo mão do mandato. "Sou um guerrilheiro e vou lutar até o final", afirmou o ex-ministro a interlocutores do Palácio do Planalto. Dirceu tem repetido como um mantra que a cassação, se vier, será por meio de "um julgamento político" porque a CPI virou "um tribunal de exceção". Apesar dessas declarações, nem mesmo os mais próximos auxiliares do ex-ministro têm segurança para garantir que ele não mudará de idéia se o cerco fechar-se totalmente.

Na prática, Dirceu só pode renunciar antes que seja protocolada contra ele representação por quebra de decoro parlamentar. O PTB do deputado Roberto Jefferson (RJ), que acusa o ex-ministro de ser o chefe do esquema de pagamento de mesada a parlamentares, promete encaminhar o pedido, provavelmente hoje. Se abrir mão do mandato, Dirceu poderá concorrer novamente a deputado federal, na eleição de 2006. Caso seja cassado, perderá os direitos políticos por oito anos.

As chances de Dirceu perder o mandato aumentaram depois que o publicitário Marcos Valério - apontado por Jefferson (PTB-RJ) como operador do mensalão - envolveu seu nome em uma operação suspeita. Marcos Valério disse que o então ministro solicitou "favores" aos bancos Rural e BMG - duas instituições que fizeram empréstimos ao PT.

À Comissão de Ética o deputado vai negar que tenha praticado tráfico de influência. Também desmentirá que seu assessor e amigo Roberto Marques tenha sido beneficiário de um saque de R$ 50 mil, no Rural, banco que ficou conhecido como caixa do mensalão.

PREOCUPAÇÃO

O depoimento de hoje preocupa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que faz de tudo para aparentar tranqüilidade na grave crise política. O temor do governo é que Dirceu, magoado, acabe arrastando o presidente para o olho do furacão. Apesar de se sentir "rifado" pelo Planalto, ele garantiu, em conversas reservadas, que mantém "fidelidade canina" a Lula. Disse, ainda, que não aceitará "provocações" de adversários.

"O depoimento de José Dirceu ao Conselho de Ética será incisivo", comentou seu advogado, o criminalista José Luís Oliveira Lima. "Ele vai responder a tudo que lhe perguntarem e falará a verdade."

Além da orientação de Oliveira Lima, o deputado tem recebido conselhos do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e de Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Foi especialmente treinado para encarar Jefferson, seu algoz, que promete se sentar na primeira fileira do Conselho de Ética.

"É a grande oportunidade que Dirceu tem para responder às acusações que lhe são feitas", afirmou o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Jaques Wagner, um de seus interlocutores. Nos últimos dias, Dirceu também conversou com a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff - sua sucessora no cargo -, e com o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci.

Aos amigos Dirceu disse estar mais magoado com a direção do PT do que com o governo. Avalia que a nova cúpula petista quer destruir um dos últimos patrimônios que lhe restam: o partido que presidiu durante oito anos, de 1995 a 2002.

O presidente do PT, Tarso Genro, afirmou que não faz prejulgamento da conduta de Dirceu. Para ele, no entanto, todos os petistas que tiveram o nome citado no escândalo do mensalão devem explicações ao partido. "Acho que devem pedir para que tudo seja investigado, antes que alguém o faça", argumentou Tarso.

Integrante do Conselho de Ética da Câmara, o deputado Chico Alencar (RJ) disse que, apesar de ser do PT, não atuará como "escudo" de Dirceu. Ao contrário. "Minha expectativa é de que o depoimento contribua para elucidar raízes e métodos do inequívoco esquema de mercantilização da política", observou Alencar. E concluiu: "Acho muito difícil Dirceu continuar dizendo que todos atuaram de maneira autônoma nessa história."