Título: O substantivo e o adjetivo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2005, Nacional, p. A6

Argumentos citados por Dirceu não resistem aos fatos relatados por Jefferson Na prática uma acareação entre José Dirceu e Roberto Jefferson, o depoimento do ex-ministro da Casa Civil no Conselho de Ética pôs frente a frente a veemência e a consistência.

Teria sido a palavra de um contra a palavra de outro se as ênfases retóricas de Dirceu não tivessem se apresentado tão enfraquecidas diante das afirmações de Jefferson, a maioria delas escoradas nos fatos já comprovados nesses quase dois meses desde as primeiras denúncias.

O conteúdo dos argumentos do ex-ministro poderia até fazer sentido, convencer ou emocionar; mas lá atrás, no início do processo, quando ainda era possível invocar a ausência de provas e tentar desqualificar Roberto Jefferson.

Ontem, a performance de Dirceu entrou em choque com a realidade e o exibiu em franco exercício de repetição da estratégia adotada por Delúbio Soares e Silvio Pereira: as mesmas alusões autobiográficas referidas na construção do PT e na trajetória de esquerda e a mesma admissão de "alguns erros" cometidos em função do imperativo de o partido fazer uso, "como todos os outros", de doações ilegais para financiar campanhas eleitorais.

Assim como Silvio e Delúbio, Dirceu defendeu a reforma política como solução para a crise, reconheceu que a situação é difícil, mas buscou dissociar-se dela. A diferença entre eles foi que, por uma questão de estilo e por depor na condição de testemunha, o ex-ministro não pôde se abrigar no silêncio.

Em compensação, pôde transferir a responsabilidade aos já condenados, incluindo aí José Genoino, pelas estripulias financeiras do PT.

No balanço, pareceu tão falso quanto os outros, pobres diabos que as respectivas apresentações mostraram tratar-se de meros cumpridores de ordens.

Delúbio e Silvio mal conseguem juntar numa frase o verbo ao sujeito, que dirá montar esquemas do tamanho, complexidade e dimensão deste em fase de revelação.

Se tivessem feito qualquer coisa à revelia de Dirceu, arquitetado um plano que feriu gravemente o PT e levou o governo às cordas, teriam sido por ele severamente punidos. Por muitíssimo menos o ex-ministro comandou o processo de expulsão de quatro rebelados, e por razões ideológicas.

Nenhum dos radicais desmoralizou o PT como o fizeram, na versão de Dirceu, Delúbio e Silvio sob as ordens de Genoino para abastecer o caixa 2 eleitoral.

José Dirceu mostrou-se "estarrecido", "indignado", mas não apresentou explicações convincentes para responder às evidências.

Ao contrário, brigou com elas quando tentou parecer desinformado a respeito do que se passava no governo.

Quem ouvisse pela primeira vez pensaria tratar-se do ministro da Pesca, não do chefe da Casa Civil, poderosíssimo, comandante de uns, integrante de outros e influente em todos os grupo de trabalho governamentais, participante ativo e explícito dos atos do PT nesse período. Tão importante na ordem das coisas que, como disse ontem em sua exposição inicial, a crise ocorre porque é ele o alvo.

"Pelo que eu represento para a história deste país, para a esquerda, para a eleição do presidente Lula. Sei o que significo", explicou.

Também assim , modestamente, ocupou papel secundário nos 30 meses à frente da Casa Civil e do comando do PT.

Falha no ato

Logo no início do depoimento, Dirceu fez questão de repudiar afirmações de que importou de Cuba os meios e modos de fazer política partidária, argumentando que o PT é "democrático".

Ora, se reconhece o regime de Fidel Castro como antagônico à democracia e ao mesmo tempo admira em praça pública o ditador, é porque tem assumido apreço pelo autoritarismo.

Os meios afins

O depoimento do ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares na CPI dos Bingos foi a expressão da constrangida, mas passiva, convivência do conjunto do PT com as espúrias peripécias da cúpula.

Luiz Eduardo detalhou atrocidades éticas cometidas pela direção nacional do partido, entre elas o acobertamento de ilícitos de Waldomiro Diniz na Loterj, antes da vitória presidencial em 2004.

A despeito disso, ficou calado para não prejudicar o "projeto político" da eleição de Lula e aceitou um cargo no governo federal "na esperança" de que, uma vez conquistado o poder, a observância aos bons costumes voltasse a vigorar.

Luiz Eduardo Soares não foi o único. Em nome dos fins, o PT fez vista grossa à adoção dos meios hoje condenados.

Mal colocado

A movimentação política do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, não soube bem aos paladares da CPI dos Correios e da Polícia Federal.

O delegado que preside o inquérito na PF, Luiz Flávio Zampronha, manifestou ao presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, franco constrangimento com a decisão de Jobim de limitar as ações da polícia às solicitações da Justiça, do Ministério Público ou da CPI.

Zampronha informou a Delcídio que simplesmente ignorará a restrição indicada por Jobim.