Título: Um duelo tenso, à base de ironias e ódio
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2005, Nacional, p. A5

Um duelo tenso, à base de ironias e ódio Roberto Jefferson chegou a dizer que tinha medo de Dirceu, por ver nele a capacidade de lhe despertar "os instintos mais primitivos"

Foi um duelo verbal recheado de ironia. Sentado à primeira fileira do Conselho de Ética da Câmara, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) cumpriu ontem o prometido: olho no olho, acusou o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu de ser o chefe do esquema de pagamento de mesada a parlamentares da base aliada. Pela primeira vez, porém, o algoz de Dirceu disse que ele não atua isolado. "Pela monta do negócio, pelo tamanho da operação, Vossa Excelência não está sozinho nisso", afirmou. A referência pareceu ser ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A dúvida, no entanto, ficou no ar. Diante de um Dirceu circunspecto, Jefferson não se conteve. Confessou com todas as letras o seu ódio. "Tenho medo de Vossa Excelência, porque Vossa Excelência provoca em mim os instintos mais primitivos", vociferou o petebista. Na platéia, deputados de vários partidos exclamaram "Nooossa!".

Empregando muitas vezes o verbo no presente, como se ainda estivesse no governo, Dirceu afirmou mais tarde - quando Jefferson já não estava no plenário - que a Casa Civil sempre prestas contas ao presidente. "O que eu faço na Casa Civil é de conhecimento do presidente", disse, ao responder a uma pergunta. "Não significa que ele possa responder se eu fiz algo ilícito ou ilegal."

Vestido com terno cinza, camisa branca e gravata cor de rosa, Jefferson revezava o tratamento a Dirceu entre "ex-todo-poderoso ministro" e "hoje humilde e inocente deputado". No rol de suas acusações, o deputado fez uma denúncia nova: a de Dirceu teria negociado com a Portugal Telecom um acordo que "pusesse em dia" as contas do PT e do PTB, em razão das enormes dívidas de campanha. "É mentira", reagiu o petista, na réplica.

Com gestos teatrais, Jefferson afirmou que, desde o início do governo, tratou de assuntos "republicanos" e "não-republicanos" com Dirceu, em seu gabinete na Casa Civil. Foi mais uma estocada no ex-ministro, que durante o depoimento se definiu como "um homem republicano"."Vossa Excelência nos deixava à vontade para qualquer conversa", contou Jefferson.

Dedo em riste, Dirceu desmentiu o acusador. "Virei bandido agora? Como pode uma coisa dessas? Isso é um absurdo", respondeu, com sotaque carregado do interior paulista, entrecortado por um tom de voz mais fino, que provocou risadas na platéia. "O deputado Roberto Jefferson está dizendo que eu criei o mensalão. Isso é uma coisa estarrecedora. Que país é este? (...) No caso de se comprovar que o mensalão é realidade, quem vai decidir isso é a Justiça. Por enquanto é um indício, não uma certeza."

Antes da sabatina, na abertura de seu depoimento, Dirceu afirmou que não tinha conhecimento do que motivou as acusações de Jefferson contra ele. "Eu não consigo entender porque ele fez isso comigo."

Em mais de uma ocasião, o ex-ministro insistiu que não enfrenta processo de corrupção, ao contrário de Jefferson. Insinuou, ainda, que seu adversário tinha esquemas de arrecadação de recursos na Delegacia Regional do Trabalho (DRT), no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos Correios, no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), na Polícia Rodoviária e em Furnas.

Advogado criminalista, o deputado do PTB olhou várias vezes para as câmeras. "Todo o povo brasileiro prejulga o deputado José Dirceu, um homem inocente", ironizou. "Todos os gestos do Delúbio (ex-tesoureiro do PT), do Silvio Pereira (ex-secretário-geral do partido) não são do conhecimento dele. Despido da arrogância e da impáfia, ele vem humildemente dizer que não sabia das movimentações financeiras de Marcos Valério (publicitário apontado pela CPI dos Correios como operador do mensalão), que foi 12 vezes à Casa Civil. Você acredita nisso?" Jefferson negou que tenha participado da tentativa de "acordão" para livrar da cassação uma penca de deputados. "Assumo o que afirmei e não vou renunciar também. Tudo o que eu disse, reitero: José Genoino era o vice-presidente do PT. Dirceu era o presidente." Depois da saída de Jefferson, por volta das 19 horas, o plenário ficou esvaziado.