Título: Teúdo e manteúdo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/08/2005, Nacional, p. A6

Marcos Valério funcionava como o trem pagador de todas as despesas do PT A situação que se desenha é, sem artifícios retóricos, a seguinte: o PT foi durante os últimos anos um partido sustentado pelo dinheiro arrecadado por beneficiário de contratos com o poder público a poder do uso de meios até agora demonstrados, no mínimo, como suspeitos.

Marcos Valério Fernandes de Souza, seja ele nominado lobista, publicitário ou empresário, foi o trem pagador das despesas do PT e facilitador financeiro de vários de seus expoentes.

Por intermédio dele, Silvio Pereira ganhou um Land Rover e José Dirceu pôde fazer frente ao provimento extra da pensão da ex-mulher via empréstimo bancário, facilitação de venda de imóvel e garantia de um emprego.

Isso para citar as despesas miúdas, pois há outras bem mais robustas, seja do ponto de vista dos valores em si ou do significado político e/ou ético.

Por ordem de entrada em cena temos a conta do escritório do advogado Aristides Junqueira (cerca de R$ 500 mil) contratado ainda em 2002 para fazer a defesa do PT no caso do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel.

O ex-procurador-geral da República foi contratado pelo diretório do PT em São Paulo e pago pela agência de publicidade de Marcos Valério, conforme a lista de pagamentos da empresa fornecida à polícia pela diretora-financeira da SMPB, Simone Vasconcelos.

Outro documento, desta vez entregue à CPI dos Correios, comprova que Valério entrou com R$ 72 mil nas despesas da festa da posse de Luiz Inácio da Silva, no primeiro de uma série de atos pelos quais o PT se exibiu convicto de que a eleição de Lula equivalia a um contrato de cessão do Estado ao partido em regime de comodato.

A lista dos sacadores de milhões no Banco Rural em Brasília põe a agência de Duda Mendonça no topo, com transferência de R$ 15 milhões. Ou seja, Valério pagou também as campanhas, não sabemos se a eleitoral de Lula ou se as de publicidade institucional do governo.

Para efeito de demonstração de improbidade, tanto faz. Como de resto pouco importa se Valério deu dinheiro para o PT fazer caixa 2 ou para sustentar o deslumbramento de dirigentes que, ao molde dos provincianos chegados a Brasília com Fernando Collor, nunca haviam se deparado antes com tal quantidade de tão bom melado.

A destinação dos recursos é irrelevante ante a constatação de que a exuberância financeira exibida pelo PT durante os anos de 2003 e 2004 não se deveu ao fortalecimento da máquina partidária e de sua capacidade de auto-sustentação.

Deveu-se, isto sim, ao fato de o partido ser teúdo e manteúdo de um sistema de arrecadação espúrio comandado por um lobista, publicitário ou empresário que, no papel de provedor, está para o PT como esteve Paulo César Farias para a Casa da Dinda.

E são evidências, não suposições, que dão os contornos do cenário altamente constrangedor para um partido construído à imagem e semelhança de uma divindade ética, cujo líder máximo, não obstante os acontecimentos, ainda reivindica a condição de brasileiro síntese no quesito estatura moral.

Ziguezague

Uma hora o presidente diz que não quer, outra hora faz questão. Está, por enquanto, ainda obscura a verdadeira intenção de Lula a respeito da reeleição.

Ontem voltou ao tema que havia abordado no dia anterior sob o prisma exatamente oposto. Terça-feira havia dito a uma de suas platéias populares que reeleição não era tão importante assim ao ponto de levá-lo a negociar "com o capeta" para obter um segundo mandato.

Menos de 24 horas depois, avisou ao País que não tem esse negócio: se quiser disputar, disputa e ganha.

Isso sem saber se terá partido para concorrer, dadas as providências que os advogados de defesa dos acusados no escândalo em cartaz têm tomado para anarquizar com a vida do PT.

Pode ser só uma coincidência, mas Lula nos últimos dias tem conversado muito com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, com quem talvez esteja se aconselhando no tocante à escolha dos temas a serem abordados e os modos a serem adotados neste delicado momento de crise.

Matriz

O problema da veemência desmedida é que, não raro, sua confrontação com a realidade a transforma em bazófia.

A frase do presidente Lula - "vão ter de me engolir" -, referindo-se à certeza de reeleição em 2006, remete a afirmação semelhante feita pelo então técnico da seleção brasileira de futebol, Zagallo, meses antes de o Brasil perder a Copa do Mundo na França.

Em parte

O delegado Luiz Flávio Zampronha informa, por intermédio da assessoria de Imprensa da Polícia Federal, que não transmitiu ao presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral, a intenção de ignorar as limitações impostas pelo Supremo Tribunal Federal à atuação da PF nas investigações do esquema Marcos Valério, conforme publicado ontem aqui.

Só impõe este reparo ao texto que falava também de seu franco constrangimento com a atitude do presidente do STF, ministro Nelson Jobim.