Título: Esquerda acusa cúpula do PT de blindar Delúbio e acobertar suspeitos
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/08/2005, Nacional, p. A6

Deputados dizem que ex-tesoureiro sabe de muita coisa e, como está acuado, poderia "liquidar" figuras do partido se falasse

No dia seguinte à reunião do Diretório Nacional do PT em que prevaleceu a posição da tendência moderada Campo Majoritário, a esquerda do partido denunciou ontem uma "operação blindagem" em torno do ex-tesoureiro Delúbio Soares, que confessou ter montado um esquema de caixa 2, com dinheiro obtido pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Também protestou contra o "acobertamento" de deputados e dirigentes que receberam dinheiro das contas de Valério. Na reunião, a proposta para que os envolvidos fossem submetidos à Comissão de Ética nem chegou a ser votada. Na tarde de sábado, quando seria votada proposta de sua suspensão, Delúbio, com aprovação de integrantes do Campo Majoritário, enviou uma carta antecipando-se à medida e pedindo afastamento. O pedido foi aceito e ele está afastado até o fim do processo ético disciplinar a que responde. O depoimento na Comissão de Ética do PT foi adiado.

"Delúbio sabe muita coisa. Ele não faria operações milionárias de moto próprio e por isso tem que ter blindagem, proteção. O partido não quer ser melindrado. Nos deixa reféns, numa situação dramática", disse Chico Alencar (RJ), integrante do Bloco de Esquerda Parlamentar do PT, formado por 22 deputados federais. "Existe um receio de que Delúbio conte o que sabe, só pode ser isso. Delúbio é uma pessoa acuada, sujeita a cometer impropérios. Tornou-se perigoso do ponto de vista de que pode liquidar figuras do nosso partido e do nosso governo. Imagino o esforço para que não abra o verbo", reforçou o deputado Mauro Passos (SC).

A saída menos traumática para Delúbio irritou a esquerda, para quem o partido protegeu os envolvidos em vez de isolá-los. "Há uma diferença entre o Diretório Nacional afastar o Delúbio e acatar uma carta enviada por ele. A simbologia é que Delúbio teve um gesto generoso de sair, quando o diretório é que tinha que ter tomado esta atitude", afirmou o deputado Ivan Valente (SP).

DESCRÉDITO

No sábado, a esquerda levou a proposta de que "dirigentes e parlamentares acusados de práticas ofensivas à moralidade e aos interesses públicos" fossem investigados internamente e se afastassem do PT até o fim da apuração. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, integrante do Campo Majoritário, porém, recorreu ao Estatuto do partido e conseguiu impedir a votação do tema, com o argumento de que investigação contra deputados federais tem que partir dos diretórios estaduais e, no primeiro momento, não cabe à instância nacional.

"Alegaram questões burocráticas para mais uma medida protelatória para ganhar tempo", disse Valente. Passos vai mais longe: "Se passarmos a idéia de que estamos querendo encobrir, o descrédito será nosso." Ele é contra a tática de minimizar a pior crise da história do PT, que também atinge o governo. "Não é só o presidente Lula que está fora da realidade. O núcleo que controla o PT também está."

A deputada Maninha (DF) chamou a atenção para o documento "muito ruim" aprovado pelo diretório sobre o cenário político e econômico. Venceu o texto apresentado pelo Campo Majoritário, que faz uma referência sutil à crise, defende o governo e condena o aumento do superávit primário como forma de preservar a economia. "Trata-se de reduzir o superávit, não de evitar o aumento", reclama Ivan Valente.