Título: Um laboratório todo novo, para não cair na ilegalidade
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2005, Vida&, p. A20

Os pesquisadores que ainda se aventuram a trabalhar com células-tronco de embriões humanos nos Estados Unidos precisam ser extremamente cautelosos para não cair na ilegalidade. Mesmo que a pesquisa e as linhagens celulares sejam financiadas com dinheiro da iniciativa privada, as restrições impostas pelo governo Bush continuam valendo. Nos laboratórios onde se trabalha com células de embriões humanos, nada pode ser pago com dinheiro federal: nem os pesquisadores, nem as células, nem as máquinas usadas para pesquisá-las. "Até a secretária precisa ser paga, pelo menos parcialmente, com dinheiro privado. Caso contrário, não poderia nem atender o telefone", conta o pesquisador alemão Stefan Heller, da Faculdade de Medicina de Harvard. Ele possui um laboratório de pesquisa - financiado com recursos federais - no sexto andar do Massachusetts Eye and Ear Infirmary, um hospital de Boston especializado em olhos e ouvidos. Há cinco anos, sua equipe utiliza o espaço para estudar os mecanismos celulares e genéticos da surdez, incluindo o uso de células embrionárias de camundongos.

Mais recentemente, entretanto, quando resolveu trabalhar com células-tronco de embriões humanos, foi obrigado a montar um laboratório totalmente separado, três andares abaixo. Tudo bancado pela iniciativa privada. "Toda a infra-estrutura teve de ser duplicada, máquinas e equipe", conta Heller. "Quando a política nacional mudar, teremos US$ 30 mil em equipamentos que não vamos precisar mais."

Heller trabalha com três linhagens de células-tronco embrionárias humanas doadas por Doug Melton - um outro pesquisador de Harvard que, inconformado com a política de Bush, está desenvolvendo linhagens com dinheiro privado e distribuindo células de graça para quem quiser pesquisá-las. Ele espera reproduzir em células humanas os resultados que já obteve em experimentos com animais. No fim de 2003, sua equipe publicou uma pesquisa pioneira: a diferenciação de células-tronco embrionárias de camundongo em células sensoriais do ouvido.

Com base nesses resultados, o pesquisador estuda a possibilidade de usar células-tronco de embriões humanos para o tratamento da perda de audição, comumente causada pela deterioração dessas células sensoriais no ouvido interno. Ou, então, para testar técnicas de regeneração celular em laboratório. "Seria como ter um ouvido humano num tubo de ensaio", explica Heller. "Poderemos testar diversos tipos de drogas e tratamentos in vitro."

PRIMEIROS PASSOS NO BRASIL

No Brasil, a pesquisa com células-tronco de embriões humanos só foi autorizada no início deste ano, com a aprovação da nova Lei de Biossegurança. A legislação permite o uso apenas de embriões "sobressalentes" produzidos por fertilização in vitro, que estejam congelados há pelo menos três anos e que sejam doados para pesquisa com o consentimento dos pais.

As pesquisas ainda estão em fase de planejamento. O primeiro edital federal para projetos nessa área foi lançado em abril, no valor de R$ 11 milhões.