Título: Ela já conquistou meio mundo
Autor: Robin Wright
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2005, Internacional, p. A14

Três semanas depois de assumir o cargo, Condoleezza Rice recebeu o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, e seus colegas japoneses no Departamento de Estado. Quando Rumsfeld começou a falar, Condoleezza gentilmente o interrompeu. A mensagem era clara: "Eu assumo o controle, Don." Os funcionários japoneses e americanos notaram o decidido cutucão. Agora, após seis meses no cargo, Condoleezza claramente tomou o controle da política externa americana. O jogo duro do Departamento de Defesa ainda pesa, mas Condoleezza ganha a maioria das batalhas - em forte contraste com seu predecessor, Colin Powell. O staff da Casa Branca é consultado, mas foi Condoleezza que desenhou a estrutura inconfundível da política externa do segundo mandato do governo.

Rapidamente, ela demonstrou uma disposição de adequar a tática para acomodar as preocupações de aliados sem ceder em princípios gerais, no que ela chama de "idealismo prático". Ela também conduz uma diplomacia pessoal mais agressiva, quebrando recordes de viagens ao exterior e formando equipes com altos funcionários sobre questões urgentes.

A política externa americana sempre teve "um traço de idealismo, o que significa que nós nos importamos com valores, com princípios", disse Condoleezza numa recente entrevista. "A responsabilidade, então, de todos nós é pegar as políticas que estão enraizadas nesses valores e fazê-las funcionar no dia-a-dia para estarmos sempre avançando para uma meta." Ainda é muito cedo para saber se a nova tática trará resultados e muitos passos de Condoleezza até agora, neste ano, se limitaram a aberturas e ajustes temporários. Mas eles ao menos criaram um impulso onde antes havia um impasse.

Sobre a Coréia do Norte, Condoleezza trouxe o governo de Pyongyang de volta às conversações multilaterais sobre desarmamento nuclear. Para isso, reconheceu publicamente o país como "Estado soberano". Depois, enviou seu principal assessor sobre Leste Asiático para se reunir privadamente com os norte-coreanos - esse amplo contato foi proibido na era Powell.

Sobre o Irã, Condoleezza concordou em oferecer incentivos - permitir que a república islâmica se candidate a uma eventual entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC) e compre as tão necessárias peças de reposição para seus aviões de passageiros envelhecidos. Em troca, recebeu uma promessa dos europeus. Se as negociações com os iranianos falharem, a União Européia apoiará uma ação do Conselho de Segurança da ONU. Em entrevista, Condoleezza disse ter descoberto em sua primeira viagem à Europa que, particularmente sobre a questão do Irã, "de algum modo entramos numa posição em que os EUA é que eram o problema... e esse não era um bom lugar para estar".

Com a Índia, ela intermediou um acordo para vender tecnologia nuclear pacífica que solidificará as relações EUA-Índia, mas que também ameaça solapar o tratado para conter a proliferação nuclear.

"Às vezes o poder da diplomacia não é apenas dizer não, mas imaginar um modo de proteger nossos interesses e princípios para ajudar o outro a avançar também", disse o subsecretário de Estado Nicholas Burns. "Esse é o tipo de diplomacia que alguns de nossos críticos sentiram que não éramos mais capazes de fazer."

Entretanto, os principais desafios globais do primeiro mandato do presidente Bush continuam sem solução no segundo. Conseguir acordos de Pyongyang e Teerã para pôr fim a seus programas nucleares continua difícil. O legado de Condoleezza mais provavelmente será determinado por dois desafios históricos: salvar a intervenção americana no Iraque e abrir caminho para a promoção da democracia no mundo islâmico. Para ambos, ainda não são visíveis estratégias de longo prazo.

"Se não formos capazes de encontrar um desfecho significativo e satisfatório para o Iraque, qualquer definição de sucesso que tenhamos, quaisquer boas idéias para o restante do mundo, serão minadas", disse Dwerek Chollet, ex-consultor de política externa de John Edwards, o candidato democrata à vice-presidência em 2004. "Tudo isso serão meras palavras se eles não saírem prontamente do Iraque."

Condoleezza trabalhou duro - num ritmo que às vezes parecia uma campanha - para superar sua imagem durante o primeiro mandato de Bush como uma conselheira de Segurança Nacional fraca que teve dificuldade para mediar entre personalidades decididas que queriam moldar a política externa. Como secretária de Estado, ela tem surpreendido aliados com o uso moderado de ferramentas diplomáticas para defender pontos de vista.

Condoleezza cancelou uma visita ao Egito e suspendeu temporariamente US$ 200 milhões de ajuda em sinal de desagrado com a prisão de um político favorável a reformas. Ela também cancelou uma visita ao Canadá quando este se recusou a participar da defesa antimísseis americana. Durante uma parada na Arábia Saudita, ela pediu publicamente que o reino emancipasse as mulheres.

E depois de uma viagem pela Cisjordânia, onde ela observou novos assentamentos judaicos em construção, ela advertiu Israel de que as construções poderiam estar violando um acordo que o país fizera com Bush um ano antes.

Em sua primeira viagem ao exterior, Condoleezza advertiu a União Européia para não levantar o embargo de armas à China, dizendo a diplomatas que eles lamentarão se tropas americanas tiverem de enfrentar soldados chineses armados pelos europeus no Estreito de Taiwan. O primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, que então detinha a presidência rotativa da União Européia, ficou tão chocado com a franqueza de suas palavras que respingou café na lapela do chefe de política externa européia Javier Solana.

"Os europeus enviaram delegação após delegação dizendo, 'por favor, seja mais flexível'. Ela não se curvou", disse Burns. "Ela lhes disse, 'Vocês uniram os democratas e os republicanos no Congresso. Isso não foi uma coisa fácil de fazer'." Os europeus acabaram engavetando seu plano.

Os colegas apelidaram Condoleezza de "martelo de veludo". Quando Condoleezza reprogramou sua visita ao Cairo no mês passado, ela a usou para fazer o primeiro discurso de um funcionário de alto escalão americano em solo árabe conclamando líderes locais a abraçarem a democracia.

"A reação mundial geral sobre ela tem sido positiva até agora", disse o embaixador egípcio Nabil Fahmi. "Isso não quer dizer que nós concordamos com tudo que ela diz ou faz, mas não são esses os critérios." Ao contrário de Powell, Condoleezza gosta de viajar.

Quando Condoleezza visitou Paris em fevereiro para fazer um discurso sobre as relações entre Europa e EUA, o embaixador francês Jean David Levitte disse: "Ela realmente mudou o clima - da mídia da opinião pública - sobre o governo Bush." Condoleezza trabalhou para redefinir a estratégia do governo em várias frentes e, no processo, pôs fim a muitas disputas internas, segundo pessoas ligadas a ela. Durante o primeiro mandato de Bush, a política externa tinha dois temas concorrentes, estruturados por "realistas" sob Powell no Departamento de Estado - que buscava uma acomodação pragmática com o mundo sobre metas comuns - e "neoconservadores", que tinham visões ambiciosas de remodelar o mundo, mesmo que isso significasse desprezar aliados.

Para o segundo mandato, Condoleezza traçou uma estratégia abarcando ambos - o seu "idealismo pragmático." "Alguém disse que a arte da diplomacia é levar todo o mundo a um lugar em que suas políticas sejam as políticas deles", disse Condoleezza.

O controle de Condoleezza sobre a política não tem sido dificultado porque ela tem uma relação estreita com o presidente, e é a primeira secretária de Estado desde Henry Kissinger a servir antes como conselheira de Segurança Nacional. Stephen Hadley, o ex-vice que herdou o antigo trabalho dela, "assumiu uma espécie de papel secundário", disse um enviado do Oriente Médio, fazendo eco a muitos outros diplomatas e também autoridades americanas. "Tudo é dirigido e coordenado pelo Departamento de Estado." Bush, disse um consultor estrangeiro, "confia absolutamente nela, como conselheira, como amiga, como membro da família."

Condoleezza tem ainda um forte traço de cautela. Os comentários públicos se restringem freqüentemente a temas suaves. Ela fez três visitas a Israel para coordenar a saída israelense da Faixa de Gaza, mas alguns especialistas dizem que sua intervenção tem sido esporádica demais para assegurar que israelenses e palestinos trabalhem juntos. E apesar de ser especialista sobre a Rússia, ela se tem concentrado na cooperação com o presidente Vladimir Putin em questões não russas, evitando uma confrontação sobre a erosão da democracia.

Mais do que tudo, Condoleezza colocou no topo da agenda a iniciativa de Bush de promover a democracia no mundo árabe. É um tema que ela trata seguidamente, tanto no exterior como no departamento. Numa reunião com a equipe do Departamento de Estado no mês passado, Condoleezza comparou o início do século 21 com os anos 40, "outra vez quando, depois da guerra, os EUA se depararam com um ambiente internacional em rápida transformação... Creio que nosso objetivo, nossa estratégia e nossa proposta são tentar usar a diplomacia americana para construir uma base firme agora, novamente, no fim de um grande trauma nacional." Há 60 anos, disse Condoleezza a sua equipe, os EUA argumentaram que o Japão poderia tornar-se uma democracia, apesar de sua sociedade não ser ocidental e seus governantes serem historicamente autocráticos. Hoje Condoleezza acredita que o Oriente Médio pode experimentar uma transformação parecida.

Com o período de lua-de-mel terminando, Condoleezza ainda precisa provar que sua nova atitude gerou ganhos substantivos e duradouros.

"Ela está tendo um início forte. Mas leva tempo para virar um superpetroleiro", disse o senador Joseph Biden, o veterano democrata na Comissão de Relações Exteriores do Senado. "O governo está começando a perceber que não basta ser forte. Precisamos também ser espertos, porque não podemos garantir os interesses dos EUA exclusivamente pela força, atuando sozinhos. Espero que Condoleezza complete a virada da ideologia para a realidade."