Título: CPI acha sinais de crime organizado
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2005, Nacional, p. A7

O crime organizado espreitou o Palácio do Planalto e José Dirceu, a quem o presidente Lula entregou a braçadeira de "capitão do time", foi mentor e co-autor do mensalão - o esquema que movimentou pelo menos R$ 1,7 bilhão, invadiu estatais e corrompeu parte do Congresso, onde mais de 100 parlamentares trocaram de partido em apenas dois anos. "As evidências e provas do mensalão são muito claras", afirma o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), sub-relator de Sistematização dos Trabalhos da CPI dos Correios. "O mensalão foi montado seguindo modelo do crime organizado, deixou rastro de corrupção, lavagem de dinheiro e outros delitos. As provas se aproximam do Palácio." Em uma semana, calcula Sampaio, a CPI já deverá apontar os deputados que embolsaram o mensalão em troca de apoio a projetos e reformas de interesse do governo Lula. "Vamos mostrar quem é quem, os parlamentares que se venderam, que venderam seus mandatos, que trocaram os seus votos por dinheiro. O Brasil quer saber, a CPI tem obrigação."

Sampaio manda recado ao presidente da República. "Lula precisa vir a público para dizer quem o traiu, tem que dizer que foi enganado por Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT)."

Não é a primeira CPI na vida do deputado. Aos 42 anos, ele já foi vereador em Campinas (1993-1996) e depois deputado estadual em São Paulo por dois mandatos. Na Assembléia paulista presidiu a CPI da Favela Naval (violência policial) e o Conselho de Ética que levou à cassação do deputado Hana Garib (PP). Dirigiu a Comissão de Constituição e Justiça que acabou com a imunidade parlamentar, abrindo caminho para 100 processos por crime comum envolvendo deputados, inclusive em casos de estupro e morte.

Chegou à Câmara em 2003 e é sempre requisitado para missões que geralmente custam a cabeça de parlamentares pela experiência em investigações que adquiriu ao longo de uma carreira de quase 18 anos no Ministério Público. Ele é promotor de Justiça desde 1987. Ao Estado, falou do mensalão.

O crime organizado articulou o mensalão?

Os métodos são típicos do crime organizado. Temos provas disso, movimentação bancária de somas vultosas com periodicidade que indica o mensalão. Há provas testemunhais e documentos.

O PT alega que o dinheiro de Marcos Valério abasteceu caixa 2 para quitação de dívidas de campanha. Isso o convence?

Valério e Delúbio firmaram linha de defesa jurídica calcada nos empréstimos. Buscando desviar o foco do mensalão tentaram alegar que todo o problema está circunscrito à figura dos empréstimos que Valério fez ao PT para pagamento de débitos de campanhas passadas. É uma tese que restringe todos os outros crimes. Se for acolhida só haveria o crime de falsidade ideológica no plano eleitoral e aí o parlamentar não responde por ele. Quem responde é aquele que prestou contas à Justiça eleitoral. A versão de caixa de campanha é uma farsa.

Teme operação abafa?

Não existe isso. O presidente Delcídio Amaral (PT-MS) e o relator Osmar Serraglio (PMDB-PR) agem exemplarmente, com absoluta imparcialidade e isenção. Vamos mostrar os parlamentares que se venderam, que venderam seus mandatos, que trocaram seus votos por dinheiro. O Brasil quer saber, a CPI tem essa obrigação. E olhe que o governo fez de tudo para impedir que a CPI fosse adiante. A CPI é independente.

Valério foi laranja ou mentor?

Laranja ele não é. A atuação dele nos bastidores do governo revela seu grau de envolvimento. As movimentações financeiras que ele promoveu não têm precedentes no País, mais de R$ 1,7 bilhão nos últimos anos em suas contas e agências de publicidade, coisa brutal. Com a garantia de que teria contratos com o governo passou a favorecer o PT, tanto é que avalizou os empréstimos no primeiro semestre de 2003. No segundo semestre ganhou as contas dos Correios e do Banco do Brasil. O contrato da ECT foi de R$ 72 milhões. O do BB de R$ 104 milhões. Contrapartida bem caracterizada. Valério era o duto de um dinheiro que também vinha de empresas privadas.

Agia em nome do PT?

Era operador do PT e falava em nome do governo em algumas oportunidades. Integrava a cabeça da organização para um esquema de corrupção sem precedentes no País. Ele não é um autor solitário, esse crime tem co-autores. O presidente Lula disse que 'o Zé Dirceu é o capitão do time'. Você conhece alguma história onde o capitão do time não saiba as funções e as atividades dos seus jogadores? Dirceu disse que construiu a base aliada porque era função inerente à de ministro da Casa Civil, mas não sabia de um movimento sequer desse time embora fosse o capitão?

A investigação aponta para o Palácio do Planalto?

O esquema do crime organizado chegou perto, as provas se aproximam do Palácio. Mas não posso afirmar que as investigações apontam para o envolvimento direto do presidente. Eu digo que o Lula precisa vir a público e contar se sabia ou não da atuação de Dirceu. Tem que parar com essa história de que é alvo de um golpe das elites. Esse chavão não pega mais. Tem que dar explicações minuciosas sobre o que ocorreu com o partido dele, o que ocorreu com os melhores amigos dele, inclusive o capitão do time.

Vão propor impeachment de Lula?

As provas se aproximam do Palácio. A melhor forma de o presidente afastá-las do seu governo é vir a público e explicar o que ocorreu. Seria irresponsabilidade chamar o presidente agora para depor. Enquanto oposição quero dizer que a instituição Presidência da República e a governabilidade devem ser preservados. Não temos prova cabal e inequívoca do envolvimento dele (Lula). Não acho correto convocá-lo. Aliás, que sorte a dele que o PSDB pensa assim, porque se fosse o PT na oposição a conversa seria outra.