Título: 'Aqui já foi maravilhoso. Mas hoje não é mais'
Autor: Luciana Garbin e Rosa Bastos
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2005, Metrópole, p. C1

Magrinha, cara assustada, quase muda, Roseli Viana de Oliveira, de 29 anos, chegou sexta-feira bem cedo. Trouxe o filho, Alex, de 3 anos, pela mão. Farinha, requeijão e carne seca na bagagem. Veio encontrar o marido, Adriano, que, com cinco meses de São Paulo, ainda não conseguiu trabalho. "Estou triste porque deixei minha mãe." A irmã dela, Nailde, de 28 anos, que já vive em São Paulo há 10 e foi a Vitória da Conquista (BA) rever os parentes, explicou melhor a tristeza das duas: "Quando a gente chega lá, os vizinhos visitam e fazem perguntas. Imaginam que tudo aqui é fácil e maravilhoso. A gente fala que já foi, mas hoje não é mais."

Os pais continuam na roça. Os irmãos, 12 ao todo, estão quase todos aqui. "Os mais velhos ganhavam bem, tinham registro. Hoje, só conseguem bico", disse Nailde. De trancinhas, alto astral, o marido dela, o azulejista Valdir Moitinho de Almeida, de 32 anos, acha que não tem do que reclamar. "Para ele, dando para comer está bom. Eu não. Quero progredir."

Ali perto, a doméstica Josinete da Rocha fazia o caminho de volta, em direção a Minas, sem conseguir realizar seus sonhos. "Sem trabalho, não posso alimentar quatro bocas."

"O sonho que mais carrega a gente para cá é o de realizar uma vida melhor", disse Salvador Soares, da Pastoral do Migrante. Baiano de Caculé, ele chegou em 1982. "Antes, as pessoas vinham pensando em ganhar dinheiro e voltar. Hoje, já não têm esperança de progredir em pouco tempo. E não vêm mais só para São Paulo nem para a construção civil. Cortam cana no interior, colhem café em Minas, produzem carvão no Mato Grosso."

Outra coisa que Soares observa: até a década de 70, não migravam mulheres. Elas ficavam lá, à espera. Às vezes, os homens nem mandavam buscá-las. Trabalhavam um tempo e voltavam com dinheiro. Alguns não voltavam nem davam mais notícias, deixando as chamadas viúvas de maridos vivos. Hoje, a migração de mulheres é significativa.

José Aloncio Ferreira Santos, de 40, também da pastoral, também acha que até os anos 80 os nordestinos chegavam mais esperançosos. "Era uma ilusão, mas tinham quase certeza de que conseguiriam. "

MALAS, CAIXAS E FILHOS

Com sete malas, cinco caixas e os filhos Caroline, de 13, e Danilo, de 9 anos, a pernambucana Luzinete Amélia Gonçalves, de 36, voltou quarta-feira para Gravatá. "Aqui, até para trabalhar em limpeza pedem segundo grau." Ex-ajudante geral e vendedora de legumes na feira, ela começou a pensar em ir embora em 2002, quando o marido morreu. Percebeu que poderia viver melhor com a pensão lá do que aqui. Há dois anos, fez curso de cabeleireira. Quer abrir um salão de beleza em Gravatá.

O aposentado Isaías Borges, de 60 anos, chorou ao se despedir do filho, Rodrigo, de 25, na quarta. Voltava para Governador Valadares, de onde saiu em 1968 para viver em São Paulo. Trabalhou em várias empresas, construiu casa e família. Mas bebe, e a mulher o despachou. "Pai, não vá perder isso, é o comprovante das três malas", disse Rodrigo, pondo o papelzinho no bolso dele. "Vê se não vai dormir e perder o ponto."

Naquele dia, longe dali, o comerciante Alisson Rodrigo Hermann Riger, de 27 anos, se despedia da família em Ijuí (RS). Veio para São Paulo comprar carros para o pai revender no Sul. Depois de 11 horas dirigindo, entrou no apartamento alugado perto da Avenida Paulista. Os móveis chegaram poucas horas depois, num caminhão da América Mudanças.

Animado, Alisson contou que planejava havia tempos viver em São Paulo. Escolheu a época para fugir do frio. "Nestes dias, na minha cidade, fazia 2 graus. Aqui tô sossegado. Já na estrada você nota a diferença. Fui tirando as roupas pelo caminho."

As amigas Nagilla Borges, de 23 anos, e Camila Weiss, de 17, também vieram do Sul na quarta, mas de Taquara (RS). Personal trainer, Nagilla tinha uma entrevista de emprego na quinta. E Camila veio estudar. O que buscam? "Uma vida melhor, né?", resume Nagilla.

Para o médico J.S., de 27 anos, que já marcou para esta semana a volta para Vitória (ES) depois de passar três anos fazendo especialização em neurocirurgia, se há uma coisa que São Paulo não oferece é "vida melhor". "A vida é muito louca, corrida demais. Eu não agüentaria esse ritmo muito tempo nem criaria meus filhos aqui."

Para Laila, de 23 anos, a viagem Ribeirão Preto-São Paulo foi uma fuga. Com três bolsas e a filha de 2 anos nos braços, ela contou que desde 2001 é espancada pelo marido. Esta semana, decidiu pôr um ponto final na violência. Na quarta-feira, Laila esperou ele sair, arrumou as coisas, pegou os R$100,00 que juntou escondido e foi para a rodoviária. Já em São Paulo, telefonou para a irmã, que vive na capital. Planos? Nenhum. "Não sei o que vai ser. Mas não agüentava mais ficar lá. Ele sempre dizia que ia melhorar, mas só piorava."