Título: Quando migrar vira uma profissão
Autor: Luciana Garbin e Rosa Bastos
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2005, Metrópole, p. C1

Nos meios acadêmicos, eles são chamados de migrantes profissionais. São brasileiros que migram em busca de melhores condições, mas, pela incapacidade dos grandes centros em absorver mão-de-obra formal, a falta de mobilidade social e as desigualdades regionais, acostumam-se a ir e voltar. O pernambucano Iraires Soares da Silva, de 23 anos, chegou quarta-feira à noite, pela quarta vez. De bermuda, camiseta e sandálias caminha pela rodoviária, velha conhecida. Do ônibus, vai direto para o orelhão telefonar para a pessoa que prometeu o serviço numa obra. Com ele, José Rodovaldo Gomes, de 21, marinheiro de primeira viagem, mãos geladas, agoniado. Além de São Paulo, Iraires já foi três vezes a Brasília. "Em minha terra, não tem serviço. Venho, ganho um dinheirinho e volto." Quando a grana acaba, vem de novo.

"Falavam que aqui era bom e vim fazer um teste", conta o cozinheiro Josias Paulino dos Santos, de 23 anos, pronto para embarcar para Patos (PB) com caixas de roupas, ventilador e aparelho de som. "Deu saudade e vou passar um tempo lá. Se estiver ruim, volto de novo."

A seu lado, o conterrâneo Eliano Nogueira Suzano, de 33 anos, é veterano nas idas e vindas. Nos últimos 13 anos, fez dez vezes o trajeto entre Patos e São Paulo. A última nesta semana, depois de pedir demissão do emprego. "O pai tem comércio e fico lá ajudando ele", planeja. E por que não permanece? "Porque gosto de trabalhar. Passado o São João, lá fica muito parado. Aí venho para São Paulo."

Este ano mudou os planos por causa da promessa feita a Silvaneide, a noiva com quem deve se casar em dezembro. E já tomou o ônibus na quarta-feira para dar tempo de pegar a festa de recordação de São João, na sexta. "Este ano vai ter até Calcinha Preta e Gatinha Manhosa (bandas famosas no Nordeste). Não podia perder."

Seu plano é voltar a São Paulo em janeiro, com Silvaneide. Mas a amigos que pretendem fazer o mesmo ele dá conselhos. "São Paulo já foi bom, mas para vir agora não vale a pena. Não dá mais, tudo é caro."

O demógrafo José Marcos Pinto da Cunha, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e coordenador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, conta que esse vaivém dos migrantes tem a ver com a mobilidade truncada - a dificuldade de ascensão social verificada desde meados dos anos 80 -, conseqüência de transformações econômicas sofridas em particular pela indústria, do crescimento dos serviços, da queda de absorção da mão-de-obra migrante.

"As possibilidades que as regiões de origem oferecem são poucas e deixam as pessoas sem opção. Então elas migram", explica. "O mercado de trabalho é o que dá maior possibilidade de ascensão social. Mas, com o aumento do desemprego e sua precarização, a permanência (nos locais de destino) reduziu-se abruptamente."

Por sua riqueza, mesmo já não apresentando as melhores alternativas, São Paulo ainda oferece mais possibilidades que muitas outras regiões. "A pessoa já não consegue forma de inserção mais definitiva, mas tem pelo menos como subsistir. Tem gente que migra não só por emprego, mas para ter acesso a melhores serviços, escola, saúde", afirma Cunha.

"A turma fala que não volta mais, mas infelizmente acostuma. Por mais difícil que seja São Paulo, sempre se consegue arrumar algum dinheiro", confirma Misael Oliveira da Rocha, de 39 anos, ex-metalúrgico, cozinheiro e cabeleireiro, que na semana passada voltou a Medeiros Neto (BA). Se levava algo? "Só a coragem." Além de umas encomendas - carrinho de bebê, roupas velhas e vasilha com peixe frito - e o plano de cortar cabelos em sua cidade.