Título: A vida feita e desfeita em São Paulo
Autor: Luciana Garbin e Rosa Bastos
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2005, Metrópole, p. C1

Poucos metros separam as plataformas de embarque e desembarque no Terminal Rodoviário Tietê, o maior da América Latina. Por elas, 60 mil pessoas partem e chegam todos os dias, em 3 mil ônibus. Entre os que vêm a passeio ou negócios, muitos chegam para viver. Ou tentar viver nesta cidade de 10,7 milhões de habitantes. Cheios de malas e planos - assim desembarcam, atordoados. A bagagem imensa também denuncia a volta para casa. "Aqui, para quem tem estudo é bom. Quem não tem, só quebra a cabeça e sofre", disse Luzinete Amélia Gonçalves, de 36 anos, quarta-feira, antes de embarcar para Gravatá (PE) depois de 15 anos em São Paulo. Com os que vão e vêm em aviões, trens e carros (só pela Via Dutra são feitas 700 mil viagens por dia), esses migrantes contribuíram para que o Estado alcançasse os 40 milhões de habitantes, na semana passada. Número que às 20 horas de sexta-feira era de 40.010.625, segundo a Fundação Seade.

Dados da mesma instituição mostram que a região metropolitana recebeu 720 mil migrantes de outros Estados entre 1995 e 2000 - para a capital vieram 410 mil, 73,1% do Nordeste. No mesmo período, 380 mil foram embora da cidade.

"Vim fazer um curso de teatro. Meu sonho é ser ator", contou Tiago Maroto de Oliveira, de 19 anos, numa escada rolante do Tietê, na noite de quarta, sem saber como chegar a Jandira, na casa do tio. Ele saiu segunda-feira de Ibicuí (BA) e desceu no Rio. Queria conhecer a Cidade Maravilhosa antes da grande aventura em São Paulo. "Foi uma decepção horrorosa."

Carregando duas sacolas pesadíssimas e um travesseiro com fronha de florzinhas, Tiago conseguiu ir a Copacabana e Leblon. E lá se foram os R$ 50,00 que tinha. "Foi criancice. Ai se minha mãe sabe de uma coisa dessas!" A mãe, professora primária, pegou empréstimo no banco para ele viajar. De volta à realidade, na sexta-feira, começou a procurar trabalho. "Qualquer coisa serve."

Na mesma hora, sem perder os quatro filhos de vista, Josinete da Rocha, de 25, tentava pôr no bagageiro do ônibus para Berilo (MG) dez sacolas onde estavam quase todos os seus bens. Sobraram várias e um urso de pano. "Isso tudo não vai caber em cima", advertiu uma das irmãs, Iranete, de 27, que foi ajudá-la no embarque. "Não seja teimosa", reclamou a outra, Janete, de 28. Antes de o ônibus partir, elas se abraçaram.

Iranete e Janete, que vieram há dez anos, têm casa em Paraisópolis, zona sul, e são domésticas. "Queria emprego e comprar as coisas que os meninos precisam. Não consegui. Vou embora", contou Josinete. Seu marido está cortando cana em Batatais, interior paulista.