Título: Cada vez mais carros brasileiros rodam em caminhos internacionais
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2005, Economia & Negócios, p. B3

Em uma década, a indústria automobilística brasileira quadruplicou suas exportações. Perto de atingir US$ 10 bilhões em vendas externas este ano, as montadoras desenvolvem ou ampliam estratégias para garantir o mercado conquistado. Apesar do recuo verificado em julho, o setor mantém fôlego para ultrapassar a projeção atual, que aponta crescimento de 7% nos negócios ante 2004, o que daria US$ 8,9 bilhões. Analistas do mercado acham que o aumento pode chegar perto dos 20%, atingindo a primeira dezena de bilhões. O que pode atrapalhar são a nova queda acentuada do dólar ante o real e possíveis reflexos da crise política na economia.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) tem o novo cálculo há dois meses, mas reluta em oficializá-lo por temer a vulnerabilidade do mercado. Também por estar negociando com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) uma linha especial de crédito para exportação. As montadoras alegam que recorde em valor não significa resultado financeiro, pois perdem ao exportar com o dólar atual que, na sexta-feira, fechou em R$ 2,31.

Arestas à parte, o fato é que as exportações, até julho, acumulam alta de 37% ante o mesmo período de 2004, e somam US$ 6,1 bilhões. Para defender mercados conquistados e provar sua competência exportadora, as empresas lançam mão de estratégias inéditas. A Volkswagen, maior exportadora de carros do País, montou uma equipe de técnicos para acompanhar o lançamento do Fox na Alemanha, da chegada ao porto até a entrega ao cliente.

Ao todo, 36 funcionários brasileiros, treinados para falar alemão fluente, permaneceram quatro meses na Alemanha, país responsável pela redistribuição do Fox para outras regiões da Europa. "É o primeiro projeto brasileiro que exportamos para o mercado europeu e queríamos mostrar nossa capacidade", diz o gerente de qualidade da Volks, Marcio Migues.

Membros da equipe percorreram 163 concessionárias para acompanhar a venda e entrega do Fox a clientes. O objetivo era "sentir a receptividade, ouvir sugestões ou reclamações e repassá-las para a fábrica no Brasil, que tinha uma equipe de prontidão", conta Fabio Zandona, engenheiro e consultor de qualidade da Volks que retornou da missão há uma semana.

A Volks exporta para mais de 40 países, mas essa estratégia só foi feita na Alemanha, onde o Fox começou a ser vendido em abril. O cuidado especial se justifica pelo fato de a filial estar entrando no mercado da matriz, um dos mais exigentes do mundo, e, principalmente, pelo grande volume do modelo brasileiro que a empresa pretende exportar para a Europa.

Desde o Passat, enviado para o Iraque na década de 80, a Volks do Brasil não conseguia contrato tão expressivo. A projeção é de 100 mil unidades ao ano. O modelo está em produção em duas fábricas, em São José dos Pinhais (PR) e São Bernardo do Campo (SP). Desde abril, foram vendidos 43.560 Fox para os europeus. Alguns dele, segundo Alexandra Gianello, se surpreenderam ao descobrir a origem do veículo.

"Muitos não sabiam que a Volks tem fábrica no Brasil e alguns até aproveitavam para perguntar sobre a cultura e as praias", afirma Alexandra, também engenheira que retornou da Alemanha há duas semanas.

A Europa respondeu por 15,7% das exportações do setor automobilístico no primeiro semestre deste ano. Há dois anos, essa participação era de 14%, quase restrita a autopeças. Com o Fox, esse porcentual vai aumentar. A Volks deve exportar este ano cerca de US$ 1,7 bilhão de vários modelos da marca, 10% a 15% a mais que em 2004. Os países da UE vão compensar perdas de volume para mercados como Estados Unidos, onde são vendidos os Golf.

Outro mercado que tem expandido compras do Brasil é o grupo andino. Sua participação no total exportado passou de 5,7% em 2003 para 9,1% este ano. A Venezuela está entre os maiores consumidores. É para lá que vai, por exemplo, boa parte dos CKDs (veículos desmontados) da General Motors.

A GM é a única montadora a ter unidade exclusiva para CKD. Ela foi construída em São José dos Campos (SP) para facilitar o atendimento de clientes que importam veículos em kits para serem montados no próprio país, uma forma de agregar conteúdo local ao produto.

As partes do carro seguem em caixas para Venezuela, China, Colômbia, Equador, África do Sul e Egito. Os kits são cuidadosamente embalados, alguns com proteção antioxidante, acomodados em caixas de madeira e depois em contêineres, levados de caminhão até o Porto de Santos. De lá continuam a viagem em navios. Em julho, a GM iniciou o envio pelo porto do Rio de Janeiro. Os contêineres vão em caminhões até Caçapava e depois seguem de trem.

"Montamos carros desmontados", explica Fábio Bonnett, gerente da operação CKD. A unidade tem 330 funcionários. Prepara em média 500 caixas diárias com kits dos modelos Corsa, Montana e Astra. Cada dois contêineres reúnem peças para 24 veículos.