Título: O parlamentarismo do PT
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2005, Espaço Aberto, p. A2

Vivemos um escabroso período de farsas na política. As denúncias feitas pelo deputado Roberto Jefferson, sem as provas que as amparassem, se transformaram de verossímeis em verdadeiras, à medida que os depoimentos na CPI dos Correios revelavam as fraudes praticadas pela quadrilha que havia tomado conta da direção do PT, bem assim do PTB, cujo presidente, rompendo com José Dirceu, teve o mérito de mostrar o lodaçal. O presidente da República diz que tudo deve ser apurado e os culpados, punidos. Mas, na prática, faz o contrário. Assina uma medida provisória que cerceia a CPI. Quebra a praxe parlamentar, fazendo presidente e relator das CPIs, ambos do PT e aliados. Censura publicamente o presidente petista dos Correios, porque, depois do festival de cinismo dos depoentes, admitiu a existência do mensalão, tudo o que o governo mais teme e a quadrilha dos tartufos mais nega.

Se o dinheiro ¿ comprovadamente repassado por Marcos Valério, conforme entrevista de 5 do corrente ao Estadão ¿ é para mensalidade aos vendilhões de votos ou para outro fim (quem sabe, benemerência social?), que diferença faz?

Haverá quem ache mera coincidência que o repasse da dinheirama se tenha dado nos dias de votação importante no Congresso?

Que dizer do vultoso dinheiro passado, sem exigência de recibo, não apenas aos partidos que se alugaram para apoiar os projetos do governo, mas também para vários petistas, como o próprio líder do PT na Câmara, apadrinhado de Dirceu?

Não seria ¿ é claro ¿ para assegurar o voto favorável do governo, seu dever. Para só agora, dois anos e meio depois da eleição de 2002, a dinheirama se destine a pagar débitos?

E justamente quando o PT é o maior beneficiário de dízimos de milhares de petistas, de parlamentares a empregados em funções de confiança? Quem defendeu no Congresso a contribuição dos aposentados, milhões de petistas, obrigados a um novo pagamento de 11% dos seus proventos, em troca de nada, pois a aposentadoria já fora conquistada?

Trata-se de um direito adquirido, violado vergonhosamente pelo Congresso com os votos de aluguel. Foi para coisas desse tipo que serviu o mensalão.

A desculpa tardia do caixa 2 é obra da manobra jurídica, que a imprensa atribui ao próprio ministro da Justiça junto aos advogados do PT, para desviar para a Justiça Eleitoral o julgamento do crime de parlamentares venais.

A estranha entrevista de Lula, em Paris, a uma desconhecida jornalista, veio a propósito, ao dizer que o caixa 2 é prática habitual de todos os partidos no Brasil. Como foi candidato quatro vezes, infere-se que é veterano no procedimento ilegal.

Logo, o inefável Delúbio o plagiou. E o mesmo fez Marcos Valério, combinado com Delúbio. Confessar o mensalão, jamais confessarão os autores do negócio sujo.

Os grandes mitômanos da literatura, o Barão de Münchhausen, Tartarin de Tarascon e Pinóquio eram pobres de imaginação diante dos Delúbios, Valérios, Dirceus, Silvinhos et caterva, a bem mentir na CPI. Ferino, mas convincente, Roberto Jefferson perguntou, olhando para as câmeras de TV: ¿Você acredita nisso?¿

Na desfaçatez do hoje humilde Dirceu, de que não opinava nas decisões do PT, crimes que reconhece e debita exclusivamente à direção enxotada do Partido dos Trabalhadores?

Dirceu sempre disse que tudo o que fez era do conhecimento de Lula. Logo, não pode confessar ¿ sem comprometer o presidente ¿ que aprovara os saques e os destinatários e distribuidores do ¿excremento do diabo¿, assim chamado por Almeida Garrett.

Gente como Valdemar Costa Neto, do PL, José Janene, do PP. José Borba, do PMDB governista, segundo afirma Valério na entrevista citada, agora que, desgostoso, decide ¿falar aos poucos¿ o que sabe. Pergunta ele: ¿Algum banqueiro daria aval para Delúbio e Valério?¿

E ele mesmo esclarece que ¿os bancos sabiam que por trás da dupla estava Dirceu¿.

Delúbio presta-se ao holocausto ao assumir como de sua iniciativa o crime. Só ele é culpado. Ninguém sabia de nada. Genoino, presidente do PT, não sabia exatamente, a despeito de avalista de vultoso empréstimo. Fê-lo em confiança.

Há 400 anos, Shakespeare, no Hamlet, pela boca de Polônio, advertia:

¿Não emprestes nem tomes emprestado/ Perdem-se o emprestado e o amigo.¿ O ¿querido Zé¿ (como Lula grafou na carta de aceitação da exoneração de José Dirceu) também de nada sabia. O presidente, que se disse ¿afastado do PT há três anos¿, chefe de Estado, não sabia.

Estava sempre em estafantes viagens pelo mundo, fora da órbita do ¿companheiro Bush¿, em campanha para o Brasil ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a direção da OMC e do BID. Pleitos todos perdidos, infelizmente, enquanto Dirceu governava como primeiro-ministro.

Entrementes, o presidente se considera traído no Brasil. Ataca as elites que o prestigiam, faz bravatas e desafios, exaltado e com a face tomada pela ira, provoca os eleitores: ¿Com ódio ou sem ódio terão que me engolir novamente.¿

É a campanha para reeleição, recomendada pelo desgoverno que faz. Visita os mais pobres, a quem ele prometeu que fariam três refeições diárias. Chora lembrando a mãe.

Dedica-se à tática perigosa de dividir a população entre excluídos e incluídos. Melhor fora bradar contra a ¿classe dominante¿, as elites petistas que de fato governavam sob o lema repetido de Dirceu: ¿Este é um governo que não rouba nem deixa roubar.¿ De fato, não é, Valério?