Título: Esperança evanescente
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2005, Notas & Informações, p. A3

O projeto do Itamaraty de obter para o Brasil um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU recebeu dois golpes que podem sepultar a pretensão, manifestada inicialmente no governo Itamar Franco, quando o embaixador Celso Amorim foi chanceler pela primeira vez, deixada em banho-maria durante a maior parte dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique e retomada no governo Lula, quando o embaixador Amorim voltou à chefia do Itamaraty. No dia 25 de julho, o G-4, grupo formado pela Alemanha, Brasil, Índia e Japão ¿ que apresentou um projeto de resolução criando seis vagas permanentes, sem direito a veto durante 15 anos, e quatro rotativas no Conselho de Segurança ¿ havia conseguido fechar um acordo com 18 países representantes da União Africana, grupo que tem o seu próprio projeto, que difere do do G-4 quanto à questão do veto e ao número de cadeiras rotativas. As duas propostas seriam fundidas, reservando-se duas vagas permanentes e duas não-permanentes para a África.

Os membros do G-4 esperavam que os países da União Africana aprovassem rapidamente o texto de consenso, para que ele fosse levado à votação na Assembléia Geral nos últimos dias do mês passado.

Isso não ocorreu e, pior, na quinta-feira, a União Africana rejeitou a fusão das propostas e ratificou o seu próprio projeto de resolução. Os países africanos consideraram essencial atribuir poder de veto aos futuros membros permanentes do Conselho de Segurança, sem o interregno de 15 anos proposto pelo G-4. Tiveram papel crucial nessa decisão a Líbia, o Egito e a Argélia, países que foram cortejados pelo Itamaraty em sua campanha pela ampliação do Conselho de Segurança.

A decisão da União Africana restabelece o impasse. A proposta do G-4 tem o apoio firme de 34 países. A da União Africana, com os votos de seus 53 membros. Nenhum dos blocos, portanto, tem a mais remota possibilidade de reunir os 128 votos ¿ dois terços dos 191 membros da ONU ¿ necessários para a aprovação da reforma na Assembléia Geral.

Frustrou-se, assim, a tentativa do G-4 de obter uma base de 87 votos firmes, favoráveis a um projeto de consenso, o que facilitaria as negociações para a conquista do quórum mínimo, uma vez que restaria na disputa apenas a proposta do grupo Unidos para o Consenso, que não soma mais que 20 votos.

Tornou-se, também, praticamente inviável a votação dos projetos em agosto ¿ mesmo porque as delegações de vários países entram em férias coletivas no auge do verão do hemisfério norte ¿, para que esse item da reforma sugerida pelo secretário-geral Kofi Annan chegasse resolvido à conferência de cúpula da ONU, convocada para 23 de setembro.

Não bastasse isso para inviabilizar o projeto do Itamaraty de tornar o Brasil membro permanente do Conselho de Segurança, os embaixadores da China e dos Estados Unidos na ONU decidiram fazer um esforço conjunto para impedir a aprovação do projeto do G-4.

O governo chinês já havia deixado claro que não admitirá o acesso do Japão ao Conselho de Segurança, como membro permanente. Por sua vez, Washington, que apóia a candidatura do Japão, veta a pretensão da Alemanha.

Além disso, prefere que sejam discutidos sem pressa os critérios que deveriam nortear uma eventual ampliação do Conselho de Segurança, e dá prioridade a outros aspectos da reforma da ONU ¿ como as mudanças no Secretariado e na Comissão de Direitos Humanos e a revisão da Convenção contra o Terrorismo ¿ que ficariam relegados a segundo plano se a questão do Conselho fosse a plenário.

Fica, assim, reiterado que, mesmo que o G-4 consiga reunir 128 votos para a aprovação de seu projeto de resolução na Assembléia Geral, os Estados Unidos e a China vetarão a reforma do estatuto da ONU, quando esta for submetida ao Conselho de Segurança.

O chanceler Celso Amorim, que elevou a participação do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança a prioridade máxima da política externa brasileira, não se abateu com esses dois golpes. Segundo ele, o Itamaraty está preparado para enfrentar a complexidade do debate e continuar as negociações. Corre, no entanto, o sério risco de colher uma derrota mais vexaminosa que as que a diplomacia brasileira sofreu na OMC e no BID.