Título: Manobra de Severino adia abertura de processo para cassar Dirceu
Autor: Denise Madueño
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2005, Nacional, p. A4

Uma manobra do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), adiou a abertura do processo de cassação do deputado José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil. Com o pretexto de que o Conselho de Ética ficará sobrecarregado com muitos pedidos de punição de deputados, Severino reteve o caso de Dirceu na Mesa Diretora - poupando-o de figurar na primeira lista de candidatos à perda de mandato por causa da crise do mensalão.

Enquanto o presidente da Câmara não enviar para o Conselho de Ética a representação contra o petista, o processo não pode ser formalmente instalado e Dirceu fica livre para renunciar. Se optar pela renúncia, o ex-ministro vai escapar da punição que acompanhará sua provável cassação: a proibição de disputar eleições até fevereiro de 2015.

A decisão de Severino provocou protestos imediatos, até mesmo de dois petistas que integram o Conselho de Ética. "Severino não foi eleito para ser presidente do sindicato dos deputados nem para ser pizzaiolo. Ele foi eleito para presidir a Câmara", disse Chico Alencar (PT-RJ). "É um absurdo. Não há justificativa para isso", afirmou Orlando Fantazzini (PT-SP).

No Conselho de Ética já está em curso o processo de cassação do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), processado pelo PL por ter admitido que recebeu R$ 4 milhões do caixa 2 do PT. Outros oito pedidos de cassação aguardavam despacho da Mesa Diretora.

Só que Severino encaminhou para o Conselho de Ética apenas as representações feitas pelo PL contra quatro deputados do PTB: Alex Canziani (PR), Joaquim Francisco (PE), Neuton Lima (SP) e Sandro Matos (RJ). A justificativa do PL para pedir a punição é que os quatro foram candidatos a prefeito nas eleições do ano passado e, por suposição, devem ter se beneficiado do dinheiro repassado pelo PT a Jefferson.

Ficaram retidos na Mesa Diretora da Câmara os pedidos de cassação de Dirceu, do líder do PL, Sandro Mabel (GO), e de dois deputados petebistas de Minas, Francisco Gonçalves e Romeu Queiroz. Dirceu é acusado pelo PTB de arquitetar o pagamento de mensalão para parlamentares de partidos aliados do Planalto. Contra Mabel, o mesmo PTB aponta as evidências de que o líder ofereceu dinheiro para que deputados se filiassem a sua legenda. Já Gonçalves e Queiroz foram candidatos a prefeito em 2004 e são processados pelo PL também pela suposição de que se beneficiaram de recursos ilegais recebidos por Jefferson.

Para justificar a retenção dos quatro pedidos, Severino argumentou que o acúmulo de casos de cassação pode prejudicar a eficácia dos julgamentos, pois o Conselho de Ética tem de concluir cada processo no máximo em 90 dias e teria de correr com os trabalhos. Segundo ele, os quatro processos que restam ficarão retidos até que o conselho julgue as representações já encaminhadas.

ORDEM CRONOLÓGICA

O presidente da Câmara explicou ter seguido a ordem cronológica de chegada para definir os pedidos que seriam despachados. O problema é que, com isso, acabou dando seguimento aos processos cuja justificativa parece mais frágil e cuja relação com o escândalo do mensalão é mais remota. Ainda por cima, deixou em banho-maria os casos de dois personagens centrais da crise: Dirceu e Mabel.

Diante das críticas, Severino culpou o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), pela demora no andamento do processo contra o ex-ministro da Casa Civil. Isso porque Izar recebeu o pedido de cassação no último dia 2, mas só o enviou à Mesa Diretora dois dias depois.

"Se os processos contra os deputados José Dirceu e Mabel não podem ser instaurados de imediato, isso se deve à ação procrastinadora do presidente do Conselho de Ética", afirmou o presidente da Câmara. Essa declaração provocou a reação de Izar, que divulgou uma nota afirmando estranhar a atitude de Severino.

REAÇÃO

"Se o presidente da Câmara quiser enviar a representação contra José Dirceu e Sandro Mabel, pode enviar ao Conselho de Ética. Estamos aguardando, temos inclusive estrutura para isso, e eu já poderei escolher os dois relatores para os processos", diz o texto. Izar pretende indicar um único relator para os quatro processos encaminhados por Severino ontem, já que a justificativa do pedido de cassação é a mesma.

O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), viu na atitude de Severino uma tentativa evidente de permitir que Dirceu e Mabel escapem de punição. "O presidente da Câmara não pode colocar os processos na gaveta", disse Goldman.