Título: Motivo de 'tranqueira'
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2005, Nacional, p. A6

PT foi ágil para expulsar quem discordava, mas não consegue punir quem prevaricava Corria o ano de 2003, estava no auge o movimento para a expulsão - com o apoio de vozes abalizadas do jornalismo e da inteligência nacionais - dos chamados rebeldes que discordavam do rumo do PT no governo, notadamente da retomada das propostas de reformas iniciadas pelos adversários no governo anterior. José Genoino, ainda quase estreante na presidência de tão conturbada agremiação, justificava as punições à senadora Heloísa Helena e aos deputados João Fontes, Babá e Luciana Genro invocando uma questão de princípios.

"Hoje a causa é nobre, é política. Mas se não agirmos assim vamos perder autoridade moral para, amanhã ou depois, punir quem quer que seja mesmo se por motivo de tranqueira", dizia Genoino.

Por "motivo de tranqueira" - à época ele acrescentou para deixar tudo bem esclarecido - entenda-se falta de natureza ética, desvio moral, roubalheira, corrupção.

Se houvesse frouxidão moral, se o governo não mostrasse desempenho satisfatório e se o PT não ganhasse as eleições municipais de 2004, "nossas vidas políticas viram pó", vaticinava o presidente do PT, certo de que nenhuma das três condicionantes malsãs se cumpriria.

Calado, sumido mais que qualquer outro expoente do PT, José Genoino hoje não está ao alcance (talvez pelo pudor pessoal que falta a muitos) para cotejar com os fatos sua antevisão involuntária, e com sinal trocado, das presentes circunstâncias.

Ágil, forte, unido e cheio de argumentos para aplicar a pena máxima ao crime de opinião e lesa-nomenclatura cometido pelos quatro dissidentes, o PT nem por isso assegurou a si agilidade, fortaleza, unidade e argumentação para punir os transgressores da "tranqueira" em cartaz.

Muito, antes, pelo contrário: a despeito da posição de outras tendências, o Campo Majoritário, mesmo aos frangalhos e sob as ordens de um José Dirceu externamente combalido, mas internamente ainda capaz de impor seus equívocos, insiste na prevalência da lógica do aparelho e, de costas para a sociedade, protege os malfeitores.

Delúbio Soares conta com o beneplácito da pena de suspensão temporária "a pedido" (como a demissão de Waldomiro Diniz); a nova direção recusa-se, sob o argumento de que não é "polícia", a abrir a caixa-preta da contabilidade paralela; os autores de saques das contas de Marcos Valério que se adequarem à tese dos repasses para pagamento de dívidas de campanha serão praticamente perdoados por advertências formais e os que vierem a renunciar antes da abertura dos processos de cassação poderão contar com a legenda do PT para se candidatarem em 2006.

Só não podem é ter certeza sobre tratamento tão condescendente por parte do eleitorado.

O PT repete, internamente, a operação abafa que tentou durante quase um mês antes de se render às evidências. Faz um discurso e age no sentido contrário.

Fala em "refundação" e evita quaisquer providências para alterar a correlação de forças dentro do partido, numa produção de incongruências que pode até favorecer de imediato a nomenclatura de sempre, mas contribuirá sobremaneira para a "afundação" que assola o partido.

A única proposta decente até agora - a de negar a legenda aos renunciantes -, feita pelo presidente-tampão Tarso Genro, foi derrotada por iniciativa de José Dirceu.

Desmoralizado Tarso Genro em sua autoridade de "refundador", cresce na cena a figura do secretário-geral, Ricardo Berzoini, e sua exemplar noção do que seja correção de rumos.

Na visão dele, só seriam passíveis de expulsão os que não conseguiram apresentar a desculpa do caixa 2 para os saques valerianos. Na visão do secretário-geral, não cometerem ilícito grave nem foram pegos em flagrante delito de "mentira ou recuo".

Ou seja, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha não mentiu ao dizer que a mulher foi ao banco para pagar conta de TV a cabo nem recuou quando retirou essa justificativa ao ficar provado o saque de R$ 50 mil feito por ela.

O ex-líder do PT Paulo Rocha tampouco faltou com a verdade ao explicar a presença da assessora no prédio da agência como visita ao neurologista, de onde saiu com R$ 320 mil.

Além da mentira, a nova direção do PT ainda convalida o crime eleitoral como inimputável. O partido não incorporou de Paulo Maluf só os métodos do marqueteiro Duda; absorveu também o cinismo e o pouco caso com a lei.

Acordo fechado

Tem autoria conhecida o acordo fechado com o presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral, para evitar a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos fundos de pensão.

Governo numa ponta, PSDB do Senado na outra, ambos convenceram o PFL de recuar da proposta e aceitar um mero pedido de informações à Comissão de Valores Mobiliários e à Secretaria de Previdência Complementar sobre investimentos e operações com títulos públicos.

Por essa via, nada de importante será encontrado. Aos tucanos, que já estavam enrolados com os empréstimos de Marcos Valério aos seus em Minas, deve interessar por algum motivo o acerto. E aos pefelistas, pelo jeito, também.