Título: À procura de um rumo
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

Ontem, líderes de 22 entidades empresariais entregaram ao presidente Lula um documento de 15 páginas em que apontam o que o governo precisa fazer para sair da paralisia em que se encontra. É um texto sereno e objetivo que define prioridades em seis áreas (Infra-estrutura, Sistema Tributário, Ambiente Regulatório, Reforma do Estado e Gestão, Inovação e Sistema Político). Se não andarem, coisas correm o risco de colapso em meio a tanta crise.

O documento menciona os "exageros da política de juros do Banco Central e a carga tributária excessiva", mas está longe de exigir desenvolvimentismo a qualquer preço. Ao contrário, pede crescimento sustentado, inflação reduzida e a adoção de metas fiscais ainda mais rigorosas.

Nas últimas semanas foi dito e repetido que a economia está blindada contra o terremoto político pelo qual vai passando o País. Isso é apenas parte da verdade. Não há economia vacinada contra peste, especialmente em países emergentes, com a história do Brasil.

Não se pode ignorar os avanços. No passado, por fatos e turbulências não tão graves como os atuais, o País passou por fuga de capitais, prostração produtiva e grande insegurança porque as regras do jogo foram atropeladas.

Algumas instituições novas e outras não tão novas, mas reforçadas nos últimos anos, trataram de inspirar um mínimo de confiança. Entre elas estão a Lei de Responsabilidade Fiscal; a instituição de um superávit primário destinado a garantir o controle da dívida; o plano de metas de inflação administrado por um Banco Central relativamente autônomo na prática; e o câmbio flutuante. E foi graças à ação dessas instituições que não aconteceu o pior.

Mas isso é pouco diante da gravidade da hora. A qualquer momento a fé no futuro conquistada com tanto sacrifício pode derreter-se e, se isso acontecesse, ficaria muito mais difícil passar a economia a limpo e reverter a situação.

O passado brasileiro está carregado de exemplos de como um colapso político é capaz de produzir estragos. Não deixa de ser sintomático que as elites dirigentes, as mesmas que têm sido acusadas pelo presidente Lula de tentarem de tudo para fazê-lo "abaixar a cabeça", se apresentem agora para dar alguma clareza à agenda de um governo atarantado e sem rumo. Ironicamente, o tal Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que numa hora dessas deveria apresentar-se para aconselhar o presidente, mostrou que tem pouca serventia.

É claro que a iniciativa dos empresários encontrou respaldo dentro do governo. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tratou de encorajar as discussões e a elaboração dessa agenda mínima porque entendeu que, em meio a um governo desorientado e de um Congresso atarantado, era preciso que um segmento responsável da sociedade civil apontasse o que tem de ser feito.

Muitas dessas decisões dependem apenas de atos do governo. Entre elas, está a definição da instituição financeira que vai administrar o Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas, sem o que o setor privado não poderá investir em infra-estrutura. E outras precisam de decisão do Congresso, como a regulamentação da reforma tributária e a reforma do sistema político eleitoral.

Especialmente reveladora é a recomendação para um "aumento do superávit primário em relação à meta atual ainda em 2005 com redução no ritmo de crescimento dos gastos com custeio". Superávit primário, como se sabe, é a parcela da arrecadação destinada ao pagamento da dívida. De um lado, os empresários, que em outros tempos faziam de tudo para que o governo federal aumentasse suas despesas, optam por uma mais rigorosa disciplina fiscal. De outro, parecem desinteressar-se, pelo menos por ora, da proposta do ex-ministro Delfim Netto, de estabelecer a meta do déficit nominal zero, que pressupõe sobra orçamentária para pagamento dos juros.

Como não poderia deixar de ser, a elaboração e a apresentação dessa agenda foi um ato carregado de significado político. Cabe agora ao governo colocá-la em prática e permitir que produza conseqüências.