Título: Dois casos de HIV por transfusão
Autor: Silvana Guaiume
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2005, Vida&, p. A20

Um deles foi confirmado ontem, em Campinas, e o outro está sendo investigado. Suspeita é sobre a chamada janela imunológica

A Secretaria de Saúde de Campinas confirmou ontem um caso de contaminação do vírus HIV durante transfusão de sangue neste ano na cidade. O diagnóstico e a confirmação técnica da via de transmissão ocorreram no primeiro semestre. Outro caso suspeito está sendo investigado. As duas pacientes são mulheres, com idade entre 25 e 35 anos. De 1982, quando foi instituído o Programa de DST/Aids em Campinas, até o ano passado, foram registrados três casos de transmissão de HIV por transfusão, um por transplante. A coordenadora do DST/Aids do município, Maria Cristina Ilário, afirmou que no caso confirmado não houve falha técnica nem humana no procedimento. Ela atribuiu a contaminação à chamada janela imunológica, já que o organismo pode demorar de três semanas a seis meses para reconhecer o vírus. Quando a doação do sangue é feita nesse período, os exames feitos pelos bancos de sangue não detectam o vírus.

Segundo Maria Cristina, há hoje exames mais sensíveis e seu uso no sistema público está em análise pelo Ministério da Saúde. "São tecnologias muito caras", explicou. Mesmo esses exames não apresentam 100% de confiabilidade, embora possam reduzir o tempo de detecção do vírus para 15 dias após a infecção.

A triagem rígida e a investigação dos doadores no banco de sangue são determinantes para evitar a janela imunológica. Doadores com risco de infecção, como os que mantiveram relações sexuais recentes sem preservativo, são descartados no processo de doação. Informações obtidas na entrevista do doador são o único método para evitar a janela imunológica.

Maria Cristina não divulgou quando nem em que hospital ocorreu a transfusão que transmitiu o vírus para a paciente de Campinas. Mas comentou que ela passou por uma cirurgia.

O parceiro da paciente foi submetido a testes de HIV e não está infectado. "Outros riscos foram descartados e sobrou a transfusão", disse a coordenadora. Ela insistiu que todos os mecanismos protocolares e técnicos foram adotados em todo o processo. Explicou que as amostras de sangue doado em Campinas são submetidas a pelo menos dois exames para detectar HIV.

Quando o resultado é positivo, um terceiro exame é aplicado. Se houver resultados diferentes, eles são repetidos até que coincidam. A coordenadora comentou que o último caso de transmissão de HIV por transfusão em Campinas ocorreu na década de 90.

Segundo Maria Cristina, a estimativa é de que entre 1.600 e 2 mil pessoas em Campinas sejam portadoras do vírus. No Brasil, este número é de cerca de 200 mil.

HEMOCENTRO

Maria Cristina comentou que o Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) coordena os bancos de sangue da cidade, mas não soube dizer quantos são. O Hemocentro divulgou nota ontem esclarecendo não existir "qualquer relação entre a informação de mulheres contaminadas por HIV em transfusões e a instituição".

Segundo a nota, a paciente contaminada não recebeu a transfusão no Hemocentro. As bolsas de sangue também não teriam sido coletadas pela instituição. O Hemocentro informou que realiza cerca de 60 mil coletas de bolsas de sangue para transfusão e que realiza cerca de 700 mil exames sorológicos em pacientes e doadores por ano.

Entre janeiro e julho de 2004, foram registrados no País 18 casos de infecção de aids por meio de transfusão de sangue, entre homens e mulheres. O número, no entanto, não significa que a contaminação tenha ocorrido neste período. De acordo com o Programa Nacional de DST/Aids, o contágio pode ter ocorrido até dez anos antes.

O gerente-geral de Sangue da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), José Vilaça, afirma que, por mais apuradas que sejam as técnicas de controle, é impossível reduzir a zero o risco de infecção por transfusão de sangue. "O sistema brasileiro melhorou muito. Mas trata-se de um processo de uma série de etapas. Não há como garantir a inexistência de falhas", admitiu.