Título: 'Armas nucleares acabaram com a guerra em larga escala'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2005, Internacional, p. A18

Os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki foram o desfecho pavoroso de uma guerra odiosa. Mas existe um consolo. Essa é a opinião do historiador de armas atômicas Richard Rhodes. Para o acadêmico americano, as bombas nucleares causaram um impacto tão profundo que acabaram limitando a violência no século 20. Muitos na Alemanha vêem o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki como um massacre de seres humanos inocentes desprovido de qualquer objetivo estratégico. Muito disso, é claro, resulta da história de genocídio da própria Alemanha na 2ª Guerra Mundial.

A bomba atômica não foi mais destrutiva do que os bombardeios aéreos em massa dos Aliados na Alemanha e no Japão. Se existe uma questão moral envolvida, esta foi seguramente a decisão que as forças Aliadas tomaram em 1943 de começar o bombardeio estratégico de cidades - em particular, a decisão de bombardear cidades japonesas. É uma questão complicada dada a quantidade de civis mortos nesses primeiros ataques.

A destruição de Hiroshima e Nagasaki foi um crime de guerra?

Curtis LeMay, que era o general encarregado da campanha de bombardeio do Japão, disse que se os EUA tivessem perdido a guerra certamente seriam levados a um tribunal internacional. Nesse sentido, ele estava admitindo que era um crime de guerra. Evidentemente, é revoltante a idéia de matar civis. Os EUA mataram quase 2 milhões de civis japoneses nas campanhas de bombardeio.

Por que a bomba A foi lançada?

Na época em que a bomba atômica foi lançada, os EUA tinham destruído virtualmente toda cidade japonesa com mais de 50 mil habitantes. A lógica era a seguinte: "Se bombardear uma fábrica com trabalhadores dentro não é um crime de guerra, então por que seria um crime de guerra bombardear a área em torno das fábricas onde os trabalhadores viviam?" Depois disso, a campanha de bombardeio foi basicamente para forçar os japoneses a se renderem, evitando dessa maneira uma invasão terrestre e limitando a perda de vidas. As bombas atômicas foram, de fato, apenas uma extensão disso. E no fim das contas, a campanha encurtou a guerra.

Houve um elemento racista na decisão de lançar a bomba A no Japão ou ela também seria usada na Alemanha se tivesse sido desenvolvida mais cedo?

A guerra no Pacífico foi, de fato, uma guerra intensamente racista - de ambas as partes. Dito isso, o general Leslie Groves, que foi o encarregado do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba, foi citado depois da guerra dizendo que havia discutido a bomba com o presidente americano Franklin Roosevelt em 1943 e que estava evidente que ele estava preparado para usá-la na Alemanha. Mas a guerra na Europa acabou antes.

Os cientistas que trabalharam na bomba ficaram horrorizados quando se confrontaram com a carnificina?

Não porque estavam trabalhando no projeto no meio de uma guerra que custou 55 milhões de vidas humanas. Do ponto de vista deles, essa seria a arma que poria fim à 2ª Guerra Mundial - e é justo argumentar que foi o que aconteceu. E havia também um sentimento de que ela poderia ser a arma que poria fim a todas as guerras. Pode-se definitivamente argumentar que ela pôs fim à guerra em escala mundial. Olhando o número de mortes causadas pelo homem no século 20, percebe-se que, por volta de 1917, ele era de 6 milhões por ano e, depois, nos anos 30, de 4 milhões por ano. Durante a 2ª Guerra Mundial, saltou para a cifra pavorosa de quase 15 milhões por ano. Mas aí, imediatamente depois da 2ª Guerra Mundial, o número caiu drasticamente para 1 milhão por ano e permaneceu neste nível pelo resto do século 20. O que causou essa mudança drástica? Creio que foi nitidamente a introdução de armas nucleares.

O presidente americano Harry Truman ponderou sobre o uso da arma?

Não. Ele tinha a noção de que se tratava de uma arma cataclísmica porque escreve sobre ela em termos bíblicos em seus diários privados. Mas Truman era um autodidata e tinha algumas idéias bastante originais sobre o funcionamento do universo. Não creio que tenha meditado muito sobre o uso da arma. Mas teve uma reação visceral e existencial em face da mortandade em massa quando recebeu as informações sobre o que havia acontecido em Hiroshima e Nagasaki. Depois disso, manifestou a disposição de não tornar a usar armas nucleares em nenhuma circunstância.

A destruição causada no Japão e o efeito que teve na opinião pública mundial acabou por impedir o uso dessas armas nas décadas seguintes?

Todos os presidente dos EUA e líderes da extinta União Soviética observavam o poder destrutivo dessas armas e tomaram decisões privadas de que em nenhum contexto elas poderiam ser usadas de novo. Chegamos muito perto de vê-las em ação de novo durante a Guerra Fria, é claro. Mas o bom senso prevaleceu.