Título: Lula diz à CNBB que crise é grave e bispo vê 'pura hipocrisia'
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2005, Nacional, p. A11

Em carta lida ontem em Itaici, presidente reafirma determinação de apurar todos os erros e desvios, "doa a quem doer"

INDAIATUBA - A cúpula da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reagiu com um misto de esperança e ceticismo a uma carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual ele garante ao episcopado que tem plena noção da gravidade da crise política que o País está vivendo e reafirma a determinação "no sentido de que todos os erros e desvios devam ser apurados, doa a quem doer". Na carta, de 70 linhas, lida ontem de manhã pelo presidente da CNBB, cardeal Geraldo Majella Agnelo, na abertura da 43.ª Assembléia Geral da entidade, em Itaici, no município de Indaiatuba, a 100 quilômetros da capital, Lula diz esperar que, assim como a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União têm atuado com decisão, "os processos nas demais esferas de poder tenham um desfecho breve, maduro e conseqüente".

O presidente garante que tem feito todos os esforços para que a crise política não paralise o governo e o País. "Tenho sinceramente a esperança de que este seja um processo purificador para a vida política do País e para a afirmação dos princípios democráticos e dos valores republicanos", afirma Lula. "Não podemos frustrar as expectativas de nossa gente , particularmente dos mais pobres."

Mais adiante, o presidente confessa aos bispos que a crise o entristece, mas de maneira alguma abate seu ânimo e a disposição de trabalhar e governar. "Quem já passou por tantas dificuldades como eu não tem o direito de se abater. E Deus não tem me faltado." Lembrando sua identificação com os valores éticos do Evangelho e a fé que recebeu de sua mãe, Lula reafirma sua "posição em defesa da vida em todos os seus aspectos e em todo o seu alcance". Os debates que a sociedade brasileira "realiza, em sua pluralidade cultural e religiosa, são acompanhados e estimulados pelo governo, que, no entanto, não tomará nenhuma iniciativa que contradiga os princípios cristãos", promete Lula.

"Pura hipocrisia", disse o cardeal Eusébio Scheid, o arcebispo do Rio que, ao chegar a Roma em abril para a eleição do papa, declarou que Lula não era católico, mas caótico. "O presidente vai enganar a todos aqui, pois ninguém sabe o que está acontecendo." Para o secretário-geral da CNBB, d. Odilo Pedro Scherer, as palavras de Lula não correspondem à realidade.

"Gostei da carta, mas acho que o presidente deveria ter mais empenho (em tomar medidas), em vez de transferir a responsabilidade para o Congresso, como ele tem feito", afirmou o arcebispo de São Paulo, d. Cláudio Hummes. Em sua opinião, a CNBB deve analisar com carinho a crise política que o País atravessa, porque o povo está perdendo a confiança nas instituições.

O cardeal se referia aos termos de uma declaração que o episcopado deverá divulgar sobre o momento atual, conforme ficou decidido em plenário, na abertura da assembléia de Itaici. A proposta para que a CNBB se pronunciasse foi de d. Demétrio Valentini, bispo de Jales (SP), da Comissão Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. "A Igreja não pode se calar e deve fazer uma reflexão que sirva de alento para que haja avanço e não retrocesso", argumentou.

A crise política foi o destaque da Análise de Conjuntura, estudo que um grupo de assessores liderados pelo sociólogo Pedro A. Ribeiro de Oliveira apresentou à assembléia para reflexão dos bispos sobre a situação política, econômica e social do País. A grande incógnita, segundo os autores da análise, é saber se o PT poderá sobreviver à crise política atual e o que significaria seu desaparecimento.