Título: O diabo residente nos detalhes
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2005, Nacional, p. A6

Valério diz que Delúbio era o "chefe" e classifica empréstimos ao PT como "mar de lama"

Marcos Valério participou ontem de sua segunda "oitiva do depoente" a bordo da tese guarda-chuva sob a qual põe suas relações financeiras com o PT no terreno estreito do financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Nos detalhes, entretanto, Valério revelou muito mais. Disse, por exemplo, que Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, era o superior imediato a quem devia o cumprimento de ordens por receio, em caso de recusa, de retaliação profissional.

"Se o seu chefe lhe pedir que tome um empréstimo para ele em seu nome o senhor faz, não faz? Pois foi por isso que fiz", disse em resposta à primeira de uma amazônica série de perguntas sobre os motivos que o levaram a avalizar empréstimos sem garantias junto aos bancos.

Admite ter feito algo muito feio, ato do qual se arrepende profundamente e a respeito do qual, horas tantas do depoimento, forneceu uma definição tão grosseira quanto precisa.

Mas, pensando bem, "fez" o que de errado se atribui a origem do dinheiro aos empréstimos e o destino ao caixa 2 de campanha, ilícito de penalidade branda e por todos (inclusive o presidente da República) aceito?

Marcos Valério, portanto, pisou em falso quando manifestou arrependimento e admitiu a natureza espúria dos ditos empréstimos, pois, segundo ele, "mar de lama" não é tudo "o que eu faço na minha vida profissional".

Quer dizer, mar de lama é parte do que faz Marcos Valério de Souza Fernandes em sua vida profissional. Como estava falando sobre os provimentos quando fez a referência, derrubou a própria versão a respeito da licitude daquelas operações.

Detalhe vivaz também revelou o "ex-empresário" quando contou que o tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri, viajou com ele a Portugal em janeiro de 2004 não para tentar pegar um dinheiro da Portugal Telecom, como acusa o deputado Roberto Jefferson, mas para "fugir" do então presidente do PTB e suas exigências por dinheiro.

Fuga relâmpago, dado que foram a Lisboa no dia 24 e dois dias depois estavam no avião de volta. E patrocinada pelo algoz, já que em sua última "oitiva" o depoente Jefferson exibiu o recibo da passagem de primeira classe paga pelo PTB.

Ainda a respeito da ida a Portugal: instado a esclarecer mais uma vez todos os pormenores, foi solícito e explícito. "Dessa viagem não tenho nada a esconder", assegurou.

E por aí foi deixando, aqui e ali, sobrar nas entrelinhas seus recados, argumentos de defesa, encomendas (como a insistência de mostrar antipatia por José Dirceu) e até surpresas como a relativa a seu "medo de morrer".

Valério fez o que parece ter sido um jogo de luz e sombra, a partir de uma intervenção do deputado Arnaldo Faria de Sá sobre pressões de que porventura estivesse sendo alvo.

Valério dramatizou, hesitou no momento preciso, deixou no ar a possibilidade de fazer revelações a respeito das pressões (cuja origem, "de cima", interessa à CPI bem mais que a segurança do depoente) sofridas e depois recuou ao molde dos bons atores: de maneira sutil, deixando na platéia um forte desejo de quero mais.