Título: Com apenas 50 clientes, Rural lucra 16 milhões em paraíso fiscal
Autor: Jamil Chade, Jair Rattner
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2005, Nacional, p. A7

Agência na Ilha da Madeira garante contas sem identificação do titular e tem como depositantes principalmente brasileiros

LISBOA - Na Ilha da Madeira, no meio do Oceano Atlântico e a mil quilômetros de Lisboa, o Banco Rural tem uma agência offshore para atender a um clube privilegiado de pouco mais de 50 clientes com contas protegidas por sigilo bancário. Apesar da clientela reduzida, o banco conseguiu triplicar os seus lucros nos últimos anos na ilha, atingindo 16,5 milhões. O Rural está sendo acusado de ser o detentor das contas que estão sendo investigadas em nome do publicitário Marcos Valério, pivô do escândalo do mensalão. Antes mesmo de ouvirem pergunta da reportagem, os funcionários do banco garantem: nem Marcos Valério nem empresas ligadas a ele têm operações na agência do Rural na Ilha da Madeira.

A informação sobre a existência da agência, que começou a circular ontem em Lisboa, colocou a assessoria do banco em alerta. A instituição afirma que estariam proibidas fotos na agência de Funchal, a capital, e na ilha ninguém do banco falaria com jornalistas.

Segundo dados divulgados pelo Diário Económico, de Portugal, o capital social do Rural no território português é de 17,5 milhões. Em 2003, o banco sofreu queda de 8,9% dos resultados líquidos para 1,7 milhões. No mesmo período, o valor dos créditos sobre clientes elevou-se para 9,5 milhões.

O Rural estabeleceu seu escritório em 1999, com autorização do Banco Central português. A partir de 2000, foi retirado o status de paraíso fiscal da Madeira, mas os bancos que já estavam estabelecidos puderam manter seus benefícios, entre eles manter as contas numeradas de seus clientes, ou seja, sem indicação do titular.

Segundo o Banco Rural, seu grupo seleto de clientes é formado por indivíduos e empresas dos Estados Unidos, Europa e, em sua maioria, do Brasil. O banco conta que uma de suas principais atividades são operações de comércio exterior e a captação de linhas de crédito.

Questionados por que escolheram abrir um escritório em Madeira, e não nos grandes centros na Europa, o Banco Rural explicou que Portugal exigia menos capital para seu funcionamento. No total, a ilha conta com apenas 42 entidades financeiras, número relativamente reduzido perto dos mais de 200 bancos na Ilha de Jersey ou dos mais de mil na Suíça. Um dos bancos presentes na ilha é Banco Espírito Santo, citado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) no esquema do mensalão. Entre os bancos brasileiros, além do Rural, o Itaú também tem escritório na ilha. Os funcionários do Rural garantem que são "rigorosamente fiscalizados" pelo BC português. Procurado pelo Estado, o BC português se nega a informar se existe investigação em relação às atividades do banco em Funchal.