Título: Cumprir Metas do Milênio é desafio para toda a sociedade
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2005, Economia & Negócios, p. B16

Segundo a ONU, o engajamento da iniciativa privada é fundamental para se obter avanços

As Metas do Milênio, conjunto de oito princípios lançado pelas Nações Unidas com o objetivo de promover o desenvolvimento global, são o foco das atrações desde segunda-feira, quando começou a Semana Nacional de Cidadania e Solidariedade. Em seu segundo ano, a iniciativa é uma mobilização da sociedade civil, governo e empresas para disseminar e promover debates sobre as metas propostas pela ONU, em 2000, para 189 países signatários. Entre os tópicos das metas estão erradicar a fome e a extrema pobreza, garantir o amplo acesso à educação, combater a aids e outras doenças, promover a igualdade entre os sexos e a proteção ao meio ambiente. O tempo é curto. A ONU estipulou 2015 como o ano internacional para o cumprimento das metas, mas na prática, ainda falta muito a fazer.

Nesse sentido, o engajamento da iniciativa privada é fundamental, na avaliação de Marielza Oliveira, coordenadora da Unidade de Parcerias Estratégicas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). "Temos grandes chances de alcançar todas as metas, mas é preciso que o investimento social das empresas seja direcionado a quem mais necessita", diz.

De acordo com da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e divulgado este ano, o Brasil já está à frente de alguns países da América Latina e do Caribe no cumprimento das metas do milênio. A meta número um, que é a erradicação da fome e da extrema pobreza, é um dos destaques do relatório do Cepal. Em 1990, 23,4% da população brasileira vivia abaixo da linha de extrema pobreza (sobreviver com até US$ 1 por dia). Em 2004, a proporção era de 14,2% A meta exige que se reduzam os níveis de pobreza pela metade, em 2015, em comparação com os índices de 1990.

A meta número dois, que diz respeito à universalização do ensino básico, também deverá ser atingida, embora a qualidade do ensino ainda seja o grande desafio brasileiro. De acordo com o relatório do Cepal, a taxa líquida de matrículas no ensino básico, usada para medir o grau de acesso à educação, passou de 86% para 97% entre 1990 e 2001. "O problema são os 3% restantes, que na pratica significam 3 milhões de crianças, excluídas das políticas educacionais e, na maior parte das vezes, em situação de pobreza extrema", diz Marielza.

Apesar dos avanços, Marielza destaca que há metas que o País ainda está longe de cumprir, como as que dizem respeito a gênero. As mulheres ainda são pouco representadas na política e nos cargos executivos das empresas. No Brasil, já são maioria nos três níveis de ensino - básico, médio e superior - mas ainda ganham salários em média 30% inferiores.

Já as questões referentes à saúde feminina são outro grande desafio, devido à falta de preparo do sistema público de saúde em assegurar atendimento de qualidade para mulheres pobres. Pesam contra o País índices como 260 mil internações anuais por abortos malfeitos e uma taxa de mortalidade de 73 mulheres a cada 100 mil partos. "É o triplo dos indicadores dos países desenvolvidos, o que significa que estamos muito longe da meta de assegurar a saúde das mães e gestantes", diz Marielza. O Brasil ainda detém um índice muito alto de partos por cesariana, 50%, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que 15% dos partos sejam feitos com esse procedimento.

O Brasil precisa melhorar no combate a doenças como malária, tuberculose e hanseníase, embora seja considerado destaque no combate à aids. Na questão ambiental, também o cumprimento das metas está distante, com a crescente devastação da Amazônia e a falta de saneamento básico nos chamados "assentamentos precários" - favelas, cortiços e outros aglomerados urbanos.

EMPRESAS

A oitava meta, que diz respeito à formação de uma parceria mundial para o desenvolvimento, é a oportunidade perfeita para os investimentos da iniciativa privada, segundo Marielza. "Todas as empresas podem contribuir com esta meta, dentro de suas estratégias de negócios", diz. "Podem permitir o acesso às tecnologias de informação, a medicamentos baratos e a empregos decentes para os jovens". O investimento social de empresas já movimenta em torno de R$ 4 bilhões anualmente, segundo levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

Para Maria Luiza Pinto, diretora executiva de Educação e Desenvolvimento Sustentável do Banco ABN Amro Real, o Brasil tem condições de avançar no cumprimento das Metas do Milênio, desde que as ações de empresas, governo e terceiro setor sejam mais bem coordenadas. "No caso das empresas, elas têm de olhar para os seus negócios e verificar de que modo podem contribuir com as metas, dentro de sua área de atuação", diz. Como exemplo, ela cita a adoção de critérios sociais e ambientais na análise de crédito e nas relações com os fornecedores, seguidos pelo Banco Real.

A idéia de integrar o compromisso com as metas às estratégias de negócios das empresas também é defendida por Carlos Faccina, diretor de Assuntos Corporativos da Nestlé. Para que os investimentos em iniciativas sociais sejam mais bem direcionados, o executivo defende uma gestão mais eficiente, calcada na avaliação de resultados, e maior articulação com ONGs e agentes governamentais. "Cabe ao Estado assegurar educação, saúde e segurança pública. Mas a articulação com os outros setores fará com que o País avance no cumprimento das metas", diz Faccina.